sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Amizade é...

Era final de um grande projeto, de início no Ceará e término no Pará, na cidade de Primavera.
A última noite é sempre muito especial. Apesar de ser um trabalho leve espiritualmente (pois fisicamente é uma prova de resistência!) sempre se começa com a grande responsabilidade de ter muitos pacientes a atender, crianças com dor, adultos que nunca usaram próteses, enfim, a expectativa de não saber o que encontrará pela frente e ter de lidar com a saúde de muitas pessoas.
Ele faria as próteses. Dezenas e mais dezenas de pessoas para moldar durante o dia, confeccionar a primeira parte das próteses de noite (alguns casos passando das 22 horas), tirar uma prova no dia seguinte e embalá-las com cuidado, para que nenhuma distorção aconteça na volta para São Paulo, onde elas seriam finalizadas.
Tudo foi intenso e muito cansativo, porém, extremamente gratificante. Naquela noite a sensação de dever cumprido aliada ao impagável contentamento por ter ajudado tantas pessoas o deixava inebriado.
Olhava para seus amigos e sentia um orgulho geral, de cada um que havia participado da equipe. Em meio ao calor úmido e intenso que o envolvia, percebeu o prazer que eles tomavam a Cerpa, cerveja local, bem gelada. Não tinha costume de beber, mas todo o conjunto o levou a experimentar aquele néctar que seus amigos tanto falavam.
Foram algumas cervejas, menos do que seus amigos haviam tomado, mas para um "iniciante" o bastante para amanhecer com uma considerável ressaca.
Entrou na van, a caminho de Belém, onde pegaria o avião para casa, e o mundo parecia girar, só que em torno de si mesmo. Escolheu, estrategicamente, o lugar junto à janela, no último banco e tentou dormir. A cada solavanco do carro porém, seu estômago embrulhava e desembrulhava. O vai e vem da estrada o faria fatalmente colocar para fora tudo aquilo que insistia em continuar a festa da noite anterior em seu estômago.
Após uma curva não resistiu, mas não faria um estardalhaço por causa disso. No carro todos dormiam, abriu a janela, pôs a cabeça para fora; percebeu que havia dois motoqueiros na faixa do lado, quase ultrapassando a van, mas não deu tempo: goooooooooooorf!!! Colocou para fora metade da cerveja tomada na noite anterior.
Suspirou aliviado. Recostou no banco contente por todos continuarem nas mesmas posições. Ninguém perceberia seus revertérios. Pensando nisso, outra rajada de mal estar o acometeu, se precipitou novamente janela afora. Nesse momento os motoqueiros, sabiamente, já estavam lá atrás, preferindo tomar distância daquele voluntário feroz.
Para completar o paradoxo só restaria saber se os motoqueiros bebiam. Seria curioso dois motoqueiros com caras de mal, jaquetas de couro, motos estilo Harley, serem abstêmios e um voluntário bonzinho de uma ong vomitando pela janela por ter exagerado na bebida na noite anterior.
Nunca saberia, naquele momento nem pensava nisso, apenas aliviou toda a outra metade que o virava do avesso. As motos distanciaram ainda mais.
Voltou para dentro, encostou no banco aliviado. Só o incomodava aquela sensação de ter escovado os dentes com ácido clorídrico e rosto imprestável pelo serviço que o vento ajudou a fazer durante sua incursão fora do automóvel.
Ainda se recompondo, sentiu um toque de seu amigo sentado no banco do lado que, de olhos fechados e bem baixinho, para que só ele ouvisse, perguntou:
- Tá dando uma vomitadinha aí, brother?
E antes que ele pensasse em responder, lhe deu duas coisas valiosíssimas, que nem ele imaginava conseguir naquele momento: uma garrafa de água mineral e um saquinho com lenços de papel.
Ninguém naquela van soube do acontecido. Hoje conta a história para todos, lembrando o alívio de se lavar, se limpar, e de ter um amigo do lado. Sempre.