domingo, 2 de outubro de 2011

O mergulho

Somos apaixonados pelo nosso país. Mergulhar nas diferentes culturas, nos envolver com as diversidades de costumes, sotaques, hábitos, paisagens, nos faz parecer meninos abrindo presentes na noite de natal. Cada viagem parece ser a primeira, não importando quantos anos fazemos isso, ou qual a idade do voluntário.
Estávamos em uma festa, em uma cidade do interior, com um som tocado por um DJ. Caixas enormes, uma altura digna de ser ouvida do outro lado da pequena cidade. O povo local apinhado, dançava o ritmo peculiar daquela região. À equipe, naquela cidade, havia se juntado José, um conhecido chef de cozinha de um importante hotel de São Paulo. Ele faria um trabalho com as merendeiras e ainda pesquisaria sobre a culinária local. Carinhosamente recebeu o apelido de "merendólogo".
Nós dançávamos, curtíamos, de uma forma intensa. Mal parecia que cada um ali, tinha trabalhado tanto, dormido pouco, feito viagens longas em estradas ruins há mais de duas semanas. Ele havia mergulhado de uma vez, em uma locomotiva que viajava a todo vapor e a toda velocidade, por dias seguidos, com jovens sedentos em conhecer e viver.
A certa altura, Luis, coordenador do Instituto, chamou José para lhe mostrar algo. O levou para o fundo do terreno, sob o céu estrelado, no bonito lugar onde ocorria a festa. Todo terreno era cercado por um muro de bambus e atrás do palco havia uma parede de palha. José viu, que aquele simples tapume, fazia o papel de um banheiro. Homens, mulheres, faziam suas necessidades ali, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Sem cuidados com higiene ou privacidade.
- Zé, a gente está aqui para mudar coisas como essa. Passamos semanas na estrada, vendo situações que nos chocam. Crianças que choram e perdem aulas por causa de dentes completamente destruídos, a educação em um caos, descaso com o meio ambiente com lixos esparramados sobre terrenos ao lado das escolas, pessoas vivendo em lugares com esgoto ao céu aberto e doenças infestando toda uma população, enquanto muitos políticos andam de carro importado. Um amontoado de emoções e sentimentos que ficam presos no peito de cada um, seja do dentista que tenta mudar algo e vê centenas de crianças que não terá tempo para atender, seja do educador que tenta mudar a história de uma comunidade e esbarra na falta de interesse de muitos poderosos da região.
"Quando temos a oportunidade de conhecer, jogar tudo pra fora, é nessa hora que expulsamos tudo daqui de dentro - disse batendo a mão no peito -. Por isso entramos em um lugar como esse e cantamos, dançamos, como se fosse o último dia de nossas vidas. Por isso um toca violão por 3 ou 4 horas seguidas em um dia, o outro incorpora um DJ até o dia amanhecer."
José entendeu. Voltaram para a roda de amigos e cada sorriso, de cada voluntário, fez mais sentido depois daquela conversa.