sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Esperança (por Janilde Fernandes)

Recebi um texto de Janilde, uma professora de Balsas, no Maranhão, que nos conheceu nesta última viagem.
Geralmente não posto textos que falem de mim, sem falsa modéstia alguma, porém achei o texto tão bonito que resolvi postá-lo.
Fala de um estilo de trabalhar de todo um grupo de amigos que fazem no sertão um trabalho com o coração.
Wolber Campos


Um certo dia fiquei sabendo que havia um grupo de pessoas que viajavam Brasil a fora destribuindo não apenas coisas materias(importantes para melhorar a apredizangem dos alunos), mas principalmente ESPERANÇA. Eram os AMIGOS DO PLANETA.
Logo de inicio fiquei encantada com o trabalho que desenvolviam.
Quando fui informada que eles visitariam a nossa cidade fiquei ansiosa em encontra-los.
O dia chegou, acordei cedo e fui para a escola onde desenvolveriam os trabalhos, quando cheguei fiquei um pouco perdida, um entra e sai de salas, muitas oficinas, resolvi passar em todas, queria conhecer tudo.
Quando entrei em uma sala vi um rapaz , sabia que era o destista pq estava cuidando dos dentes das crianças (não sabia nem o seu nome), mas algo chamou minha atenção, tantas crianças ao seu redor, achei que estavam incomodando-o e fiquei sabendo por uma amiga que ele preferia que elas ficassem perto dele.
Juro que fiquei impressionada, estática com aquilo que ouvi, geralmente se quer silêncio e onde tem criança ja se sabe, barulho, agitação...
No caminho para casa fui com aquilo que vi em meu pensamento, foi um momento de reflexão, pois sou professora e muitas vezes me falta a paciência.
No segundo dia de oficina passei na sala onde estava o dentista, agora já sabia o seu nome WOLBER, e a cena do dia anterior se repetia, achei simplesmente lindo.
Acabou! chegou a hora de dizer adeus e isso já eram mais de oito horas da noite, sai daquela escola bem diferente do que entrei, vontade de fazer diferente, de ser mais paciente e principalmente a ESPERANÇA, voltou a fazer parte da minha vida.
O que dizer então a você Wolber que me mostrou que tudo vale a pena e que a esperança nunca deve acabar. Um obrigada é pouco, então MUITO OBRIGADA, MUITO OBRIGADA...
VOCÊ É ESPECIAL!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O futuro professor

Roberto e Jamis andavam pela praça de sua cidade, no sertão do Maranhão. Era uma noite de segunda-feira e, àquela hora da noite, os poucos bares já estavam fechando. Porém o som de um violão vindo de um canto chamou sua atenção.
Naquele banco, com uma garrafa de cerveja ao lado, estavam dois caras tocando e cantando. Com toda a certeza, eram de fora. Resolveram parar para ouvir.
Música vai, música vem. Papo vai, papo vem. Rapidamente fizeram amizade e depois que o barzinho da praça fechou resolveram seguir até um posto, onde achariam alguns petiscos para comer e continuar a prosa.
Os dois forasteiros adoravam conversar com pessoas da região, fazer amizades e engataram uma animada conversa enquanto caminhavam. Quando o assunto chegou no futebol, Roberto se mostrou um grande conhecedor. Não só de seu time, como de todo o campeonato brasileiro e até sobre o Santos, time de um dos rapazes de São Paulo. Este ficou impressionado com o conhecimento futebolístico de Roberto e - erroneamente - pensou que aquela cultura toda poderia ser focada em algo mais produtivo. Ainda aprenderia muito naquela noite...
Ao passarem em frente a uma igreja Roberto soltou:
- Aqui nessa cidade o que mais tem é Igreja e bar. Mas sou um pouco decepcionado com a religião, sabe. A Igreja fez muita coisa errada na história. Se você pegar Galileu, por exemplo, que teve que renegar tudo o que tinha descoberto (que a terra gira em torno do sol) e foi preso por causa disso, a Inquisição, as fogueiras...
Os forasteiros ouviam aquilo impressionados e o santista ficou feliz em ter queimado a língua, ou melhor, o pensamento...
Ficaram sabendo que Roberto tinha parado de estudar para trabalhar, mas voltou este ano para terminar os estudos e realizar seu sonho: ser professor de história.
Jamis, que ouvia a tudo com atenção, acabou de tomar sua garrafa de refrigerante e, como se fosse a coisa mais natural do mundo, a jogou num terreno baldio ao lado.
Os dois paulistas pararam e explicaram que aquilo não era legal. Que eles tinham uma cidade linda, com cachoeiras e natureza abundante. O pior que poderiam fazer é deixar que sua cidade ficasse tão feia e suja como uma cidade grande.
- Não leve a mal, é que trabalhamos com isso em escolas, conscientizando as pessoas para a reciclagem do lixo e melhorar o meio ambiente. - completou o outro.
Jamis não só entendeu como, àquela hora da noite, passou a procurar no meio do mato aquela garrafa perdida e quando a achou ergueu-a triunfante, como se fosse um troféu. Andou ainda muitos metros com a garrafa suja nas mãos e quando encontrou um lixo a colocou dentro, dizendo:
- Agora sim ela está no lugar certo!
Para alegria de todos e fechar a noite com "chave de ouro" Roberto finalizou sua aula:
- Pois é, como dizia Lavousier: "na natureza nada se cria e nada se perde: tudo se transforma."

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A primeira impressão

Ainda bem que a primeira impressão não é a que fica. Uma boa segunda visita pode facilmente fazer sumir aquela imagem ruim que tínhamos. Tenho grandes amigos hoje que, ao conhecer, não pensei que o seriam.
Minha primeira estada no Maranhão, no ano de 2004, foi assim. Já sabia sobre as mazelas locais, miséria, pobre educação, a infeliz presença - forte até hoje! - do coronelismo, mas imaginava que os trabalhos correriam como em outras comunidades carentes. Não ocorreram.
À primeira vista tudo ocorria normalmente: muitas pessoas nos aguardando em frente à escola, crianças correndo ao lado do carro, escola muito simples enfeitada. Porém, assim que desci do carro e me preparava para ajudar a descarregar o caminhão, percebi que algo poderia dar errado. Em minha frente estavam três mulheres, daquelas bem mal-tratadas pela labuta ao sol. Mulheres que não podemos nem arriscar "chutar" sua idade; muitas vezes nos surpreendemos ao imaginar moças, na casa dos vinte anos, como se estivessem perto dos quarenta.
Uma, que estava pouco mais a frente, olhou para mim e disparou:
- Cadê as cestas básica?
Se há algo que não gostamos de associar ao nosso trabalho é "entrega de cestas básicas". Este é o maior exemplo do assistencialismo e, por mais que muitos possam me criticar, é algo que não muda a realidade da pessoa e ainda por cima sempre gera problemas na hora da distribuição.
Disse que não existiam cestas a serem distribuídas, que o trabalho seria diferente, com atendimentos médicos e odontológicos, oficinas e... -
- Ah. eu não quero nem saber! Quero a minha cesta básica! - disse me cortando.
Imaginei que aquele poderia não ser um bom dia.
Naquela época de atendimentos ainda não tínhamos o Odontoportátil, que possibilita fazer restaurações mais completas, e fazíamos apenas um procedimento rápido de curetagem das cáries, portanto o número de atendimentos era enorme e as filas idem. Logo após o almoço um amigo entrou na sala dizendo: "Wolber, pode parar com os atendimentos. Tá dando a maior confusão lá fora!"
O número de pessoas era tão grande que tivemos que distribuir senhas, do contrário não conseguiríamos ir embora aquele dia e essa distribuição estava gerando um pequeno tumulto.
Sai da sala e a escola parecia um caos. Fui ajudar a distrair as pessoas que se apinhavam em frente à sala usada como farmácia - os medicamentos doados eram distribuídos conforme a receita de nossos médicos-.
"Adesivos?", perguntei para o Erik que deu uma risada como quem diz "É o que temos...".
Peguei os adesivos, cético de que conseguiria tirar todo aquele pessoal da frente da sala.
- Quem quer adesivo? - gritei.
Adultos, jovens e crianças me olharam e começaram a caminhar em minha direção. Eu, inocente, feliz que o plano tinha dado tão certo, os levei para o outro canto do pátio.
Desgrudava um pequeno adesivo do Instituto e o colava na esta de uma criança, outro do Palmeirinha (piloto do Rally que nos apoia) e dava a um adulto, mais um para um adolescente e assim seguia, tentando ser cada vez mais rápido.
Mas não tão rápido quanto o número de pessoas que apareciam, vendo que algo estava sendo distribuído ali e vinham tentar ganhar o que quer que fosse, mesmo sendo um pequeno pedaço de papel colorido que em breve perderia sua cola e viraria lixo.
Minha preocupação aumentou demasiadamente quando havia tanta gente que começaram a empurrar, me espremendo contra a parede. E ao meu lado haviam muitas crianças. Era assustador.
Quando vi que meus gritos de calma e pedidos de organização não faziam o menor efeito e as crianças estavam prestes a se machucar gritei:
- Chega, acabou!! Não tem mais adesivos!! Vocês não vêem que aqui tem crianças se machucando? - estava tão nervoso que nem pensei no perigo de brigar com aquele sem-número de pessoas afoitas.
Me dirigi para alguma sala para deixar os "sonhados" adesivos e a turba me seguia, como se não acreditassem que eu realmente pararia a distribuição.
Deixei os maços de adesivos numa sala fechada e todos se dispersaram.
Foi um dia atípico de trabalho. Um dia assustador. Que nos deixou ainda mais desanimados com o poder público, por existir uma situação como aquela.
Ainda bem que anos mais tarde conheceríamos Nova Iorque e Balsas no Maranhão. Cidades em que temos grandes amigos até hoje, o que nos faz sempre sentir saudades de voltar para lá.