quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O segredo do sucesso

Todo fim de ano é aquela alegria, pessoas contentes pelos feriados, festa de Reveillon, tudo trazendo a bonita esperança de um ano melhor.
Aliás, um gênio a pessoa que inventou o "Ano Novo". Este ser iluminado renovou a esperança da humanidade. Não importa o quanto o ano foi difícil ou ruim, sempre temos aquela imagem de que virá um novinho em folha para começarmos a escrever, do "zero", e essa renovação de ânimo faz, com toda certeza, que o ano seguinte seja melhor.
Não à toa, é época das promessas para o ano vindouro: "serei uma pessoa melhor", "vou comer menos", "não vou puxar as trancinhas da menina chata que senta do meu lado na escola", enfim, são inúmeras.
Se alguém me pedisse uma dica para sua evolução em 2010 eu daria o segredo do sucesso. Sim, esse ano eu descobri o segredo do sucesso. Simples assim. Não que eu já me considere uma pessoa de sucesso - estou buscando o meu -, mas já sei o caminho.
Alguns podem reclamar "como você se acha sabichão!", ou sapatear dizendo "humpft! Ele se acha!". Quem discordar, tem esse humilde espaço para esbravejar - o que eu acho difícil, e já explico o porquê.
Não tirei essa conclusão trancado em meu quarto, meditando - apesar disso ser uma ótima coisa a se fazer - ou filosofando sobre qual o segredo do sucesso. Percebi observando a maioria dos meus amigos que, hoje, estão se dando bem em suas carreiras ou outras pessoas que progrediram muito em suas vidas. Todas elas, sem exceção, possuem um ponto em comum: dão o máximo de si para fazerem bem o que lhes é confiado. Não importa o serviço que presta, se é grande ou pequeno, onde trabalha, o patrão que tem, etc. Todos que fazem bem feito o que tem que fazer no dia a dia, vão tendo cada vez mais sucesso na vida. É fato!
Já ouvi reclamações do tipo "não sou reconhecido", ou "meu chefe é um crápula!". Nessas ocasiões é comum - e aceitavelmente humano - a pessoa desanimar, passar a fazer um serviço "meia-boca", enfim, ir levando a vida, sem se esforçar, para receber seu salário no fim do mês até que ache algum emprego melhor. Triste engano.
Quando mais novo (como o tempo passa, a cada dia mais uso essa expressão...) trabalhei no McDonald´s, assim, me familiarizo sempre aos funcionários quando vou até lá. Sabem quantos atendentes me olham no olho quando eu chego, abrem um sorriso e perguntam se está tudo bem, realmente interessados em saber o que perguntam? Raros. E quando encontro essa cena, penso comigo mesmo "caramba, que carinha gente boa!".
A partir desses pensamentos me seguiam outros. É curioso eu me surpreender com um atendimento muito simpático e um sorriso amigo, quando, na verdade, isso deveria ser uma obrigação. A empresa o paga - bem ou mal, não importa - para isso.
Mesmo em casos de não se ter perspectivas futuras na empresa, um chefe que não valoriza, não ser completamente profissional é "dar um tiro nó pé". Do mesmo jeito que eu me surpreendo ao ser bem atendido no Mc, um empresário pode pensar o mesmo e fazer uma proposta de emprego. Isso em qualquer lugar.
O que falta hoje em dia - é uma raridade! - são pessoas que não importando se devem vender um produto, limpar o chão, fazer um sanduíche, qualquer coisa, procuram fazer algo muito bem feito. Pode não ser o melhor profissional, mas será o melhor profissional que pode.
Este é o segredo do sucesso: independente do quanto ganha, ou para quem trabalha, se isto lhe é confiado, faça com o maior amor e carinho possível, alguém reconhecerá. E mesmo que ninguém reconhecesse, você saberia que fez bem feito. Já é o suficiente.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Trio em Poço Redondo-SE

Há aquelas vezes em que queremos muito bater uma foto ou fazer uma filmagem e aparece a mensagem na câmera: bateria acabando. Que desespero! Conversamos com ela, pedimos, numa vã esperança de que ela nos ouça e, mais difícil, obedeça.
Em Poço das Trincheiras passei por isso novamente. Estávamos num bar, ouvindo um trio tocando um forró de primeira, quando resolvi filmar uma música que gostamos muito, do Luiz Gonzaga.
Curioso como mudam as regiões, gostos musicais, mas as atitudes das pessoas parecem as mesmas. Aqui pelo sudeste estamos muito acostumados a ouvir a brincadeira "toca Raul" numa roda de violão. Geralmente, porque muitos fãs ardorosos do cantor pediam uma música atrás da outra quando a viola chorava. Uma pena, eu adoro Raul e é triste ouvir piadas jocosas sobre um grande artista.
Me espantei ao ouvir algo semelhante, em Sergipe, em relação a uma música do Luiz Gonzaga: Samarica Parteira. Entre uma música e outra uns gritavam: "toca Samarica parteira!" e risos.
Até que uma aniversariante da noite foi até o microfone indignada e pediu aquela música, de verdade, dizendo que achava triste que as pessoas dali não davam "valor às coisas da terra".
Então, o sanfoneiro - muito bom, por sinal - disse: "Olha, alguns podem reclamar, mas se aqui, pelo menos uma pessoa gostar, eu já me dou por satisfeito essa noite!".
Nem preciso dizer que muitas pessoas adoraram, nós e muitos da própria cidade.
Segue o vídeo, até onde a bateria aguentou...

domingo, 20 de dezembro de 2009

A docência, um sonho concretizado (Sonhos, medos e realizações de uma professora do Maranhão) - por Janilde Fernandes

Tudo começou em 2002, vestibular para pedagogia, aprovação... Muitas expectativas, vontade de aprender e um certo medo de não me encontrar e não me sentir realizada.
Na faculdade pude conhecer algumas teorias, entender a evolução da educação e, em muitas aulas, haviam "discussões", pois algumas alunas já eram professoras e sempre diziam que a realidade na sala de aula era muito difícil. Quando ouvia isso confesso que aquele medo de início aumentava.
Lembro como hoje da minha primeira aula (era estágio da faculdade), passei horas e horas pensando em cada detalhe e, quando entrei na sala, aquele friozinho na barriga foi inevitável. Este foi meu primeiro contato com os alunos e naquele momento tive a certeza que aquele era o meu mundo.
Passaram-se alguns meses após a conclusão do curso de pedagogia, fiz um concurso, fui aprovada e, a partir daí, o meu sonho de ser professora se concretizava.
Como dizem, no inicio tudo são flores, e de fato foi. Cheguei cheia de sonhos, com uma vontade enorme de colocar em prática todas as teorias aprendidas, mas logo percebi as grandes dificuldades - aquelas que escutava de minhas amigas na época de faculdade, bateu-me um desespero e uma angústia.
Quantas vezes ouvi de algumas colegas (que já tinham anos de sala de aula) "não sonha tão alto, a realidade é muito dura"...
Só que sempre tive esperança e acreditava que eu podia fazer diferente. Não era justo comigo e com meus alunos aceitar essa realidade e foi com essa vontade que nunca desisti.
As dificuldades existem (salários baixos, falta de recursos, ausência da família...), é uma verdade, mas quando queremos algo verdadeiramente ele se realiza.
Se me perguntarem: vale a pena ser professora? Claro que vale. E muito! Os desafios são diários, mas a felicidade em saber que seu aluno aprendeu com você e que você também aprendeu com ele não tem preço.

Janilde é professora de Balsas, interior do Maranhão

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Maria e João

Maria mudou-se com seu marido, João, para um bairro mais afastado. Moravam antes no quintal de seu pai e seu esposo, um dia, chegou com a notícia: "Comprei um terreno!".
Assim que viu o local, se assustou. "Meu Deus, aqui é só mato!", pensou, olhando as poucas casas que haviam na região em meio a uma vegetação rasteira e sem cuidado.
João - que trabalhava como pedreiro - construiu o primeiro lar do casal: dois cômodos e um banheiro; e assim que as paredes ganharam o reboco e o chão o cimento queimado, puderam se mudar para a nova casa.
No princípio, aquela dificuldade em se adaptar. "Parece que aqui não tem nada", pensava enquanto andava um bom tempo para buscar agua na bica que havia no bairro, já que água encanada, esgoto e luz elétrica era algo impensado na região. A maioria das vezes era João quem buscava a água, com baldes amarrados em seu carrinho de mão.
Alguns vizinhos, mais sortudos, conseguiram achar o precioso líquido perfurando poços ao lado de suas casas. "Nós perfuramos alguns buracos e nada...", lamentava.
Com a permissão do vizinho, nos meses seguintes, João fez uma ligação com canos por baixo da terra de seu poço até sua casa. Assim, diminuíram as andanças diárias até a bica.
Mudaram com uma filha de 2 anos e logo Maria engravidou. Pouco depois que o bebê nasceu: engravidou de novo.
"Um dos maiores sacrifícios era andar até o Posto de Saúde, em meio ao mato, com um bebê de 6 meses no colo, puxando uma filha de 3 anos pela mão e uma barriga grande pesando!"
O tempo foi passando. Entre sustos e risadas com o grande número de sapos que povoavam o local, João foi colocando azulejos na cozinha, melhorando as paredes da casa, aumentando mais um cômodo ao lado. A vida foi passando e as crianças crescendo, como qualquer outra família feliz brasileira.
Maria ainda mora na mesma casa, hoje, um gostoso sobrado.
Onde? Algum lugar remoto do Brasil? Interior do Maranhão? Do Piauí?
Não, mora na Grande São Paulo, em Carapicuíba, e a história se passou a 26 anos atrás. Ela é minha paciente e onde eu tenho consultório - hoje uma rua movimentada, asfaltada, onde carros, caminhões e ônibus ferozes disputam palmo a palmo o espaço sob enormes postes e fios de alta tensão - era um dos caminhos de terra por onde ela passava a pouquíssimos anos atrás carregando suas três filhas, rumo a uma antiga bica d´agua.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Uma noite no teatro

Uma das atrações mais esperadas pelas crianças nas escolas em que passamos é o Teatro de Marionetes. Apresentado pela Cia de Inventos (Bernardo e Renata, Tiradentes-MG), com a ajuda do Leandro no som e do Luis no microfone, é a atração que, geralmente, fecha os trabalhos.
Os bonecos parecem ter vida, puxados pelos fios nas mãos do Bernardo. O tipo de programa que, como muitos desenhos da Disney, empolga tanto as crianças como os adultos.
Nesse espetáculo eles fazem o enterro de um boneco. Uma cena "triste" e macabra. HUAAAAAAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Questões básicas - por (Sabrina Bonfim)

Realmente o texto da Janilde é ótimo, fez um comentario que é a realidade...o trabalho é muito mais que prestar atendimentos em saúde. Isso mexe com outras questões tão básicas que normalmente acabam passando batido na correria diária.
Quando retornamos de viagem em setembro, participei da Special Olympics Brasil (que por incrível que pareça é um evento muito maior que as Para-Olimpiadas e ninguém conhece), me ví em situações bem difíceis, sem saber bem como lidar com esse perfil de paciente: não são deficientes físicos, são deficientes intelectuais (Sd Down, Paralisia cerebral, sindromes diversas que causam atraso de desenvolvimento, entre outros casos) e são atletas de várias modalidades!
Se você visse o rendimento deles no esporte, é incrível! Normalmente imaginamos que esse grupo é completamente excluido da sociedade, que poucos tem atividades, apenas nas entidades como as APAEs por exemplo, aí dentro do Parque São Jorge vejo que o Corinthians patrocina um time de futebol com esses meninos, e isso dificilmente tem cobertura da midia ou incentivo de empresas privadas/patrocinio.
Foi um atendimento bem diferenciado e com apoio de outras especialidades como a odonto e ortopedia!
Essas experiencias nos engrandecem, mas ainda assim prefiro esquecer de tudo aqui em SP, fazer as malas, dormir nas casinhas simples da comunidade, conhecer os "potós", acordar com aquele sol lindo as 5:00 da manhã, poder trabalhar o dia todo com uma comunidade tão diferente e ao mesmo tempo tão próxima de nós, que demostram carinho e satisfação com nossa visita... apesar da bagunça em que tranformamos a cidade...e o melhor....dançar e tomar uma cervejinha a noite, sem grandes preocupações, voltar para casa com muita história pra contar e já pensando"Quando será a próxima?"

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O dia mundial contra a corrupção

Estava vindo para o trabalho no carro, hoje de manhã, e ouvi na CBN (rádio de notícias daqui de São Paulo) sobre o "Dia mundial contra a corrupção".
É triste mas, infelizmente, realmente é preciso que este dia seja criado. A honestidade, a ética, são coisas tão básicas - e tão necessárias para o convívio em sociedade - que deveriam ser inerentes ao homem. Mas não é.
Um dia da luta contra a corrupção, a princípio, me soa como a velha história do "dia das mães" ou "dos pais": nem deveriam existir, pois devem ser todos os dias.
Essa nova data no calendário, mostra o quanto ainda estamos atrasados nessa luta; ainda nem tínhamos um dia por ano dedicado a se pensar seriamente no assunto.
Indo um pouco mais a fundo, cheguei a uma conclusão (que muitos podem discordar): a única arma para combater a corrupção é a educação.
Alguns podem dizer: "temos que vigiar mais os atos dos governantes". Para mim isso é automático. Um país onde a educação é boa, gera uma população mais participativa e automaticamente observará mais os assuntos que importam para sua vida.
Outros retrucarão: "na verdade temos que aumentar a punição!". Pra mim, isso está englobado à educação. Um povo culto, cobrará mais e exigirá que os corruptos sejam punidos.
Não é estranho o interesse em manter nossa educação do jeito que está. Já dizia a letra de um reggae - muito bom - do Natiruts: "sabedoria do povo daqui, é o medo dos homens de lá..."

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Um dia após o outro

No dia 10 de junho operei meu joelho. Depois de passar quase 3 anos com o ligamento semi-rompido, o torci novamente em fevereiro, no meio de uma viagem, em São Raimundo Nonato-PI.
Estávamos no meio do trabalho e ainda atenderia no dia seguinte, na mesma cidade, e mais três dias em Crateús-CE. Não conseguia apoiar o pé no chão e para onde quer que fosse precisava chamar meus amigos para me carregarem. Um sufoco!
Voltei para São Paulo, operei o ligamento e usei muletas por vinte dias. Segundo meu médico - um ótimo médico, por sinal - a recuperação total dependeria do quanto eu me empenhasse nos exercícios de recuperação: fisioterapia e depois musculação.
E este é o motivo de minha felicidade atual! Ontem, dia 7 de dezembro, foi o primeiro dia em que voltei a correr. Não foram nem 5 minutos, porém o bastante para ver que o joelho está bem recuperado.
Pois é, na vida as coisas são assim: pode acontecer uma torção forte, pode até surgir uma operação no caminho, mas sempre, depois, vem uma recuperação, que faz uma simples corrida ser gostosa como eu nunca tinha sentido antes.

domingo, 6 de dezembro de 2009

O carro de boi

Já havia visto um carro de boi, porém foi a primeira vez que ouvi seu canto. Cada um possui o seu jeito de cantar. Quando o constroem, colocam uma peça em seu eixo que produz um som característico. Há até competições entre os diversos sons dos carros. Ao longe, pode-se ouvir quando o sertanejo volta de sua lida diária.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Esperança (por Janilde Fernandes)

Recebi um texto de Janilde, uma professora de Balsas, no Maranhão, que nos conheceu nesta última viagem.
Geralmente não posto textos que falem de mim, sem falsa modéstia alguma, porém achei o texto tão bonito que resolvi postá-lo.
Fala de um estilo de trabalhar de todo um grupo de amigos que fazem no sertão um trabalho com o coração.
Wolber Campos


Um certo dia fiquei sabendo que havia um grupo de pessoas que viajavam Brasil a fora destribuindo não apenas coisas materias(importantes para melhorar a apredizangem dos alunos), mas principalmente ESPERANÇA. Eram os AMIGOS DO PLANETA.
Logo de inicio fiquei encantada com o trabalho que desenvolviam.
Quando fui informada que eles visitariam a nossa cidade fiquei ansiosa em encontra-los.
O dia chegou, acordei cedo e fui para a escola onde desenvolveriam os trabalhos, quando cheguei fiquei um pouco perdida, um entra e sai de salas, muitas oficinas, resolvi passar em todas, queria conhecer tudo.
Quando entrei em uma sala vi um rapaz , sabia que era o destista pq estava cuidando dos dentes das crianças (não sabia nem o seu nome), mas algo chamou minha atenção, tantas crianças ao seu redor, achei que estavam incomodando-o e fiquei sabendo por uma amiga que ele preferia que elas ficassem perto dele.
Juro que fiquei impressionada, estática com aquilo que ouvi, geralmente se quer silêncio e onde tem criança ja se sabe, barulho, agitação...
No caminho para casa fui com aquilo que vi em meu pensamento, foi um momento de reflexão, pois sou professora e muitas vezes me falta a paciência.
No segundo dia de oficina passei na sala onde estava o dentista, agora já sabia o seu nome WOLBER, e a cena do dia anterior se repetia, achei simplesmente lindo.
Acabou! chegou a hora de dizer adeus e isso já eram mais de oito horas da noite, sai daquela escola bem diferente do que entrei, vontade de fazer diferente, de ser mais paciente e principalmente a ESPERANÇA, voltou a fazer parte da minha vida.
O que dizer então a você Wolber que me mostrou que tudo vale a pena e que a esperança nunca deve acabar. Um obrigada é pouco, então MUITO OBRIGADA, MUITO OBRIGADA...
VOCÊ É ESPECIAL!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O futuro professor

Roberto e Jamis andavam pela praça de sua cidade, no sertão do Maranhão. Era uma noite de segunda-feira e, àquela hora da noite, os poucos bares já estavam fechando. Porém o som de um violão vindo de um canto chamou sua atenção.
Naquele banco, com uma garrafa de cerveja ao lado, estavam dois caras tocando e cantando. Com toda a certeza, eram de fora. Resolveram parar para ouvir.
Música vai, música vem. Papo vai, papo vem. Rapidamente fizeram amizade e depois que o barzinho da praça fechou resolveram seguir até um posto, onde achariam alguns petiscos para comer e continuar a prosa.
Os dois forasteiros adoravam conversar com pessoas da região, fazer amizades e engataram uma animada conversa enquanto caminhavam. Quando o assunto chegou no futebol, Roberto se mostrou um grande conhecedor. Não só de seu time, como de todo o campeonato brasileiro e até sobre o Santos, time de um dos rapazes de São Paulo. Este ficou impressionado com o conhecimento futebolístico de Roberto e - erroneamente - pensou que aquela cultura toda poderia ser focada em algo mais produtivo. Ainda aprenderia muito naquela noite...
Ao passarem em frente a uma igreja Roberto soltou:
- Aqui nessa cidade o que mais tem é Igreja e bar. Mas sou um pouco decepcionado com a religião, sabe. A Igreja fez muita coisa errada na história. Se você pegar Galileu, por exemplo, que teve que renegar tudo o que tinha descoberto (que a terra gira em torno do sol) e foi preso por causa disso, a Inquisição, as fogueiras...
Os forasteiros ouviam aquilo impressionados e o santista ficou feliz em ter queimado a língua, ou melhor, o pensamento...
Ficaram sabendo que Roberto tinha parado de estudar para trabalhar, mas voltou este ano para terminar os estudos e realizar seu sonho: ser professor de história.
Jamis, que ouvia a tudo com atenção, acabou de tomar sua garrafa de refrigerante e, como se fosse a coisa mais natural do mundo, a jogou num terreno baldio ao lado.
Os dois paulistas pararam e explicaram que aquilo não era legal. Que eles tinham uma cidade linda, com cachoeiras e natureza abundante. O pior que poderiam fazer é deixar que sua cidade ficasse tão feia e suja como uma cidade grande.
- Não leve a mal, é que trabalhamos com isso em escolas, conscientizando as pessoas para a reciclagem do lixo e melhorar o meio ambiente. - completou o outro.
Jamis não só entendeu como, àquela hora da noite, passou a procurar no meio do mato aquela garrafa perdida e quando a achou ergueu-a triunfante, como se fosse um troféu. Andou ainda muitos metros com a garrafa suja nas mãos e quando encontrou um lixo a colocou dentro, dizendo:
- Agora sim ela está no lugar certo!
Para alegria de todos e fechar a noite com "chave de ouro" Roberto finalizou sua aula:
- Pois é, como dizia Lavousier: "na natureza nada se cria e nada se perde: tudo se transforma."

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A primeira impressão

Ainda bem que a primeira impressão não é a que fica. Uma boa segunda visita pode facilmente fazer sumir aquela imagem ruim que tínhamos. Tenho grandes amigos hoje que, ao conhecer, não pensei que o seriam.
Minha primeira estada no Maranhão, no ano de 2004, foi assim. Já sabia sobre as mazelas locais, miséria, pobre educação, a infeliz presença - forte até hoje! - do coronelismo, mas imaginava que os trabalhos correriam como em outras comunidades carentes. Não ocorreram.
À primeira vista tudo ocorria normalmente: muitas pessoas nos aguardando em frente à escola, crianças correndo ao lado do carro, escola muito simples enfeitada. Porém, assim que desci do carro e me preparava para ajudar a descarregar o caminhão, percebi que algo poderia dar errado. Em minha frente estavam três mulheres, daquelas bem mal-tratadas pela labuta ao sol. Mulheres que não podemos nem arriscar "chutar" sua idade; muitas vezes nos surpreendemos ao imaginar moças, na casa dos vinte anos, como se estivessem perto dos quarenta.
Uma, que estava pouco mais a frente, olhou para mim e disparou:
- Cadê as cestas básica?
Se há algo que não gostamos de associar ao nosso trabalho é "entrega de cestas básicas". Este é o maior exemplo do assistencialismo e, por mais que muitos possam me criticar, é algo que não muda a realidade da pessoa e ainda por cima sempre gera problemas na hora da distribuição.
Disse que não existiam cestas a serem distribuídas, que o trabalho seria diferente, com atendimentos médicos e odontológicos, oficinas e... -
- Ah. eu não quero nem saber! Quero a minha cesta básica! - disse me cortando.
Imaginei que aquele poderia não ser um bom dia.
Naquela época de atendimentos ainda não tínhamos o Odontoportátil, que possibilita fazer restaurações mais completas, e fazíamos apenas um procedimento rápido de curetagem das cáries, portanto o número de atendimentos era enorme e as filas idem. Logo após o almoço um amigo entrou na sala dizendo: "Wolber, pode parar com os atendimentos. Tá dando a maior confusão lá fora!"
O número de pessoas era tão grande que tivemos que distribuir senhas, do contrário não conseguiríamos ir embora aquele dia e essa distribuição estava gerando um pequeno tumulto.
Sai da sala e a escola parecia um caos. Fui ajudar a distrair as pessoas que se apinhavam em frente à sala usada como farmácia - os medicamentos doados eram distribuídos conforme a receita de nossos médicos-.
"Adesivos?", perguntei para o Erik que deu uma risada como quem diz "É o que temos...".
Peguei os adesivos, cético de que conseguiria tirar todo aquele pessoal da frente da sala.
- Quem quer adesivo? - gritei.
Adultos, jovens e crianças me olharam e começaram a caminhar em minha direção. Eu, inocente, feliz que o plano tinha dado tão certo, os levei para o outro canto do pátio.
Desgrudava um pequeno adesivo do Instituto e o colava na esta de uma criança, outro do Palmeirinha (piloto do Rally que nos apoia) e dava a um adulto, mais um para um adolescente e assim seguia, tentando ser cada vez mais rápido.
Mas não tão rápido quanto o número de pessoas que apareciam, vendo que algo estava sendo distribuído ali e vinham tentar ganhar o que quer que fosse, mesmo sendo um pequeno pedaço de papel colorido que em breve perderia sua cola e viraria lixo.
Minha preocupação aumentou demasiadamente quando havia tanta gente que começaram a empurrar, me espremendo contra a parede. E ao meu lado haviam muitas crianças. Era assustador.
Quando vi que meus gritos de calma e pedidos de organização não faziam o menor efeito e as crianças estavam prestes a se machucar gritei:
- Chega, acabou!! Não tem mais adesivos!! Vocês não vêem que aqui tem crianças se machucando? - estava tão nervoso que nem pensei no perigo de brigar com aquele sem-número de pessoas afoitas.
Me dirigi para alguma sala para deixar os "sonhados" adesivos e a turba me seguia, como se não acreditassem que eu realmente pararia a distribuição.
Deixei os maços de adesivos numa sala fechada e todos se dispersaram.
Foi um dia atípico de trabalho. Um dia assustador. Que nos deixou ainda mais desanimados com o poder público, por existir uma situação como aquela.
Ainda bem que anos mais tarde conheceríamos Nova Iorque e Balsas no Maranhão. Cidades em que temos grandes amigos até hoje, o que nos faz sempre sentir saudades de voltar para lá.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A fé

Ela ia andando com seu rosário entre os dedos, balbuciando algo inaudível (pelo menos para os outros mortais). Já havia esquecido a dor de seu pesado fardo; apenas orava, apreciando a calma e ternura que aquelas palavras, como um bálsamo, acariciavam sua mente atribulada.
Outros a observavam de longe. Céticos. Quase ateus (eu disse "quase") comentavam entre si a inutilidade daquela cena. Mais prudente seria arregaçar as mangas, esbravejar, tentar resolver no braço e no grito aquela situação.
Mas a calma senhora nem os notava. Nem precisava. Certo ou errado, não importava. Sua prece já havia cumprido o doce objetivo de lhe acalmar o coração.
Anjos a escutaram? Deus? O poder da mente? O que importa a resposta?
Os céticos é que se preocupem com isso.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O sertanejo

Na volta para Crateús, uma cidade onde nos sentimos em casa, reencontramos um amigo especial. Escrevi sobre Bastião duas vezes ("Bastião" e "A mão") e ficamos, realmente, muito felizes ao vê-lo adentrando a escola. Estava acompanhado de seus dois itens inseparáveis: o pandeiro e o sorriso.
Entre abraços, conversas e - é claro - músicas, fiquei sabendo um pouco mais sobre sua vida e, consequentemente, a de muitos moradores do sertão.
Para um morador de uma cidade grande, tão costumado com a correria e stress que inconscientemente - e inconsequentemente - nos empurram atrás de uns trocados todos os dias de nossas vidas, não pensava ainda na força da agricultura de subsistência.
Bastião é assim: vive cuidando de sua roça. "Todo dia, meu amigo, desde os oito anos de idade!", diz orgulhoso. Planta milho, feijão e verduras, o excedente troca com os vizinhos. Tudo apenas para consumo próprio e de sua família. Não ganha um real, vai trocando o que lhe sobra.
Seus dois filhos - hoje adolescentes - já o ajudam na lida diária.
- Graças a Deus tenho dois filhos de ouro, que gostam de me ajudar e hoje já posso descansar um pouco mais.
Cria seus poucos gados num curral atrás de sua casa. Mas também não tem pretensões de aumentar a criação para vendê-los. Para quê? O que tem já é muito para seu sustento e de sua família. E com esse estilo de vida se tornou um excelente pandeirista e ostenta um puro e sincero sorriso.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Os 15 dias

Foram quinze dias intensos. Muito trabalho, viagens longas, reencontro com amigos, novidades (apresentações de seminários), alguns passeios e até uma festa de formatura no Maranhão, tão comentada neste blog (como na postagem abaixo).
Enfim, tudo que amo fazer e que me faz uma pessoa mais feliz. Estou de volta. Sorrindo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Nunca é "apenas" mais uma viagem

Domingo, dia 8, estaremos novamente na estrada. O IBS continuará o trabalho Amigos do Planeta, em conjunto com as Casas Bahia, no Maranhão, Piauí e Ceará.
Nunca é "apenas" mais uma viagem. Um dia meu irmão me perguntou, depois de tantos anos trabalhando no sertão: "Mas não é sempre a mesma coisa?".
Não, nunca é a mesma coisa. Cada viagem nos sentimos empolgados como se fosse a primeira! Em lugares novos é sempre uma ótima experiência, conhecer cidades e culturas diferentes, e em locais pelos quais já passamos, reencontrar grande amigos que fazemos é um prazer enorme. Isso sem falar o principal: fazer o trabalho mais gostoso do mundo: o social.
Porém esta etapa tem um gostinho ainda mais especial. No Maranhão, passaremos na cidade de Nova Iorque, onde fizemos mais que amigos: somos da família. Nossa família maranhense é a da professora Régea, cuja bonita história contei aqui no blog a tempos atrás. Ela e seus irmãos (Bruno, Glorinha e Andressa) nos chamam de irmãozinhos e seus pais nos recebem como filhos.
No lar, onde a luz elétrica ainda não chegou, nos sentimos em casa. Acordamos com os pássaros e, com o sabonete e shampoo nas mãos, andamos ao ar livre, até o poço, onde retiramos a água para um delicioso banho de moringa sob o céu - quase sempre azul -, no box de tijolos construído no quintal.
Como disse no outro texto, este ano Régea se forma em letras e fazia questão (nós também) de que estivéssemos presentes. Por um momento isso quase não foi possível, estaríamos no meio da viagem e ainda não haveríamos chegado em Nova Iorque. Mas ela não desistiu até mudar a data da formatura para o dia exato em que estaremos na cidade.
Será um dia inesquecível, onde nossa "irmãzinha" receberá seu sonhado diploma e nós, como bons irmãos mais velhos, estaremos presentes e orgulhosos!

terça-feira, 3 de novembro de 2009

De volta

É incrível como somos guiados pela nossa aparência. Muitos podem fingir, e até se enganar, que não dão a mínima ou que pouco se importam com o visual. Mas nossa imagem vai muito mais além do que ser ou não ser vaidoso.
Ela nos insere ou expulsa de um meio, nos enturma ou repele de um grupo e isso antes mesmo das pessoas raciocinarem sobre o fato. Como aquela pessoa com quem "vamos com a cara" ou evitamos no primeiro sorriso que dá ao nos cumprimentar.
Contei a pouco tempo um caso do amigo dentista Wanderson, em que ele teve a grande alegria de melhorar a vida da Joanita, apenas lhe fazendo uma prótese nova. E essa viagem foi realmente marcante para ele. Mais uma surpresa numa cidade mais à frente.
Quem me conhece sabe que acredito que somos meros instrumentos para realizar projetos maiores - a história "mão de Deus" é um exemplo do que penso - e em Sergipe tivemos mais uma prova.
Geralmente, quando atendo numa sala de aula, costumo deixar que as crianças fiquem em volta observando, assim acabam perdendo o medo e ainda aprendem olhando para as enormes cáries que os amiguinhos tem. Porém, muitas vezes, a bagunça fica enorme e Manolo (nosso braço direito e esquerdo na área odontológica) tem que pedir pra todo mundo sair da sala.
Num desses momentos de paz e silêncio perguntei ao Wanderson: "te atrapalha se eu chamar a criançada para entrar de novo?". Disse porque tem pessoas que não gostam, se sentem incomodadas pelo barulho. Ele disse que não e a sala voltou a ficar cheia.
Terminando uma moldagem de uma mocinha de 14 anos que não tinha um dente da frente perguntou se ela conhecia outra menina com o mesmo problema. Esta respondeu negativamente, mas uma aluna que estava ao lado, apenas observando lançou:
- Eu conheço, espera aí que vou chamar! - e saiu em disparada pela porta.
Voltou alguns minutos depois com uma garota de 15 anos, sem os dois incisivos centrais (os dentes da frente).
A história nos emocionou. Não julgo o dentista que extraiu seus dois dentes, pois não sei como estavam, pode ser que precisassem mesmo serem removidos. Mas não consigo entender como um profissonal pode extrair os dois dentes da frente de uma mocinha de 15 anos e não fazer uma prótese para reabilitá-la. Mesmo que ela não tivesse dinheiro, é inconcebível!
Wanderson a moldou de manhã e fez algo inédito no trabalho até então: confeccionou uma prótese provisória no mesmo dia, pra que ela use até que a outra chegue, daqui a alguns meses. Procurando em seus materiais se havia alguns dentes de resina para usar, encontrou dois incisivos centrais, exatamente da mesma cor e tamanho de que a garota precisava! E olha que ele não costumava levar dentes de sobra, mas pensou que eu pudesse usar alguns se desse problemas nas próteses que eu havia colocado nas cidades anteriores.
Filmei e tiramos fotos do caso e de noite, na pousada, ligamos a máquina na televisão, analizando cada detalhe. Era incrível como ela mudava de expressão antes e depois da prótese. Seu olhar era como se estivesse vago, sem profundidade, antes e depois tivesse ganhado novamente vida.
Uma moça que voltou a ser bonita e a se sentir novamente inserida em sua pequena comunidade escolar. Tudo por um pequeno pedaço de prótese que segurava dois felizes dentes de resina.

O vídeo que fiz é o bastidor da entrevista que o grande amigo Víctor Pinduca (nosso cinegrafista) fez com Wanderson, mostrando este caso: http://www.youtube.com/watch?v=PkAJIVI9kus

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A melhor religião

Recebi um e-mail com este texto. Resolvi publicá-lo pois representa exatamente o que penso sobre o tema.
Vale a pena...

Breve diálogo entre o teólogo brasileiro Leonardo Boff e o Dalai Lama.

Leonardo Boff explica:

"No intervalo de uma mesa-redonda sobre religião e paz entre os povos, na qual ambos (eu e o Dalai Lama) participávamos, eu, maliciosamente, mas também com interesse teológico, lhe perguntei em meu inglês capenga:
- "Santidade, qual é a melhor religião?" (Your holiness, what`s the best religion?)
Esperava que ele dissesse:
"É o budismo tibetano" ou "São as religiões orientais, muito mais antigas do que o cristianismo."
O Dalai Lama fez uma pequena pausa, deu um sorriso, me olhou bem nos olhos - o que me desconcertou um pouco, por que eu sabia da malícia contida na pergunta - e afirmou: "A melhor religião é a que mais te aproxima de Deus, do Infinito". É aquela que te faz melhor..."
Para sair da perplexidade diante de tão sábia resposta, voltei a perguntar:
- "O que me faz melhor?"
Respondeu ele:
-"Aquilo que te faz mais compassivo" (e aí senti a ressonância tibetana, budista,
taoísta de sua resposta), aquilo que te faz mais sensível, mais desapegado, mais amoroso, mais humanitário, mais responsável... Mais ético...
A religião que conseguir fazer isso de ti é a melhor religião..."
Calei, maravilhado, e até os dias de hoje estou ruminando sua resposta sábia e irrefutável...
Não me interessa amigo, a tua religião ou mesmo se tem ou não tem religião.
O que realmente importa é a tua conduta perante o teu semelhante, tua família, teu trabalho, tua comunidade, perante o mundo...
Lembremos:
"O Universo é o eco de nossas ações e nossos pensamentos".
A Lei da Ação e Reação não é exclusiva da Física. Ela está também nas relações humanas. Se eu ajo com o bem, receberei o bem. Se ajo com o mal, receberei o mal.
Aquilo que nossos avós nos disseram é a mais pura verdade:

"terás sempre em dobro aquilo que desejares aos outros".

Para muitos, ser feliz não é questão de destino.

É de escolha.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Pão e Circo

Durante um jogo de futebol do Campeonato Brasileiro vi meu irmão mais novo se revoltando contra seu time de coração. Eu não o recrimino, sou santista desde criança e me chateio quando meu time dá vexame. Porém algo me incomoda quando vejo muitas pessoas indo muito além disso.
Como escrevi alguns textos atrás é triste quando brasileiros colocam seu time na frente de tantas outras coisas mais importantes. Quando eu era criança ouvia uma frase que hoje me faz sentido: "esse deixa de comprar o leite das crianças para comprar o ingresso do jogo...".
Repito: nada contra o futebol em si. Eu amo este esporte! Só gostaria que ele fosse visto assim: como um esporte.
A humanidade vem evoluindo, milhares e milhares de anos, e, infelizmente, algumas mazelas também.
Na época do Império Romano, décadas antes de Cristo, os imperadores inventaram uma grande "sacada", o Pão e Circo. Como desfocar o povo do que acontecia no Senado? Joguem pães e dêem diversão que eles se distraem...
Incrível o grau de evolução que essa máxima chegou aos dias atuais. O mesmo pão e circo ainda persiste, só que hoje o povo não tem o pão e ainda paga pelo circo!

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O Hino Nacional

Quem não se lembra da Fafá de Belém cantando o Hino Nacional (e ele deveria sempre ser escrito assim, com letras maiúsculas!) quando morreu Tancredo Neves? Ou mesmo num jogo de futebol da seleção brasileira quando é tocado ao vivo.
Ele sempre nos emociona - só não quando é cantado pela Vanuza... - e deveria ser tocado em todas as escolas do nosso país. O cidadão quando é patriota se torna muito mais ético e não teríamos tantos desvios de dinheiro se nossos políticos fossem patriotas.
Em Cabaceiras-PB ganhamos um lindo presente na abertura dos trabalhos na escola: um aluno (infelizmente não sei o seu nome) nos tocou o hino no saxofone. Tive até que parar de gravar a segunda parte para aproveitar ao máximo naquele momento. Segue abaixo. Uma maravilha!

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Flores, crianças e música

Fim de semana estava num churrasco na casa de um amigo e num certo momento comecei a bater um papo com a sua avó. Muito simpática e inteligente. É sempre ótimo conversar com "vózinhas", elas (ou eles, os vôzinhos) tem uma experiência riquíssima de vida e no mínimo ficamos impressionados com descrições de uma época em que nem sonhávamos nascer - nem nossos pais.
Ela nasceu em 1925. "Mil novecentos e vinte e cinco... Meu Deus, tinha acabado a Primeira Grande Guerra fazia pouquíssimos anos.", pensei. Sem contar que viveu numa época em que nosso país florescia. Era um Brasil que parecia decolar, na música, literatura, esportes. Ouviu o lançamento de Chega de Saudade e da Bossa Nova, leu textos diários do Nelson Rodrigues no Jornal do Brasil, sofreu com a derrota do Brasil na Copa do Mundo de 50, no Maracanã.
Ah, que época boa! Ninguém imaginaria que passaríamos anos de trevas após o golpe militar.
Depois de um ótimo papo fui para casa e no dia seguinte encontrei uma outra "vózinha", esta, minha tia-avó. Numa conversa bem tranquila, enquanto ela nos agradecia pelas flores que a presenteamos me disse uma frase certeira:
- Meu filho, quem não gosta de flores, crianças e música que não seja meu amigo!
Não sei se eu terminaria assim a frase, mas tenho que concordar que exageros à parte ela encerra uma tremenda verdade.
Nada como a sabedoria dos mais velhos. Vamos, literalmente, vivendo e aprendendo.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Os três macacos

Num fim de semana fiz um passeio muito bacana - fui conhecer o Templo Budista de Cotia. Um lugar muito bonito, visual bem bucólico e por onde andamos cruzamos com monges em suas túnicas laranjas que transpiram paz.
Lá revi um desenho que conheço desde criança, porém só naquele dia fiquei sabendo do real significado: os três macacos sábios.
Na verdade, quando os vi, ainda não sabia que eram sábios e isso mostra o quanto eu não sou nem um pouco. Sempre pensei que eram os macacos, um cego, um surdo e um mudo e nem imaginava o porquê.
O budismo é realmente uma doutrina linda e diz a lenda que o símbolo dos macacos foi introduzido por um monge séculos atrás e significa: não falar o mal, não ver o mal e não ouvir o mal.
Gandhi sempre levava consigo uma pequena escultura com os três macacos, para estar sempre atento aos ensinamentos.
E realmente, como a vida pode ser melhor se simplesmente uma pessoa ignorar as coisas más. Deixar uma fofoca ou comentário maldoso entrar por um ouvido e sair pelo outro ou simplesmente segurar aquela reclamação que quase escapa da boca no trânsito.
Comprei um amuletinho com os três macacos. Eles agora me olham da mesa do meu consultório. Bom, pelo menos dois deles...

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Os carrões

Era mais um dia comum, como os outros de trabalho no sertão: crianças com cáries enormes e alguns dentes que já não mais havia o que fazer: canal exposto ou indicados para extração.
E como em outros dias eu perguntava a algum adulto como era o atendimento odontológico no posto de saúde da região.
"Eles estão sem material lá, por isso só estão arrancando."
A resposta também era comum, já a havia escutado em outras cidades. Mas dessa vez doeu um pouco mais. Não sei se, como numa pancada leve no mesmo lugar, várias vezes, o incômodo vai se tornando insuportável, ou se estou ficando velho, mas naquela hora deu vontade de ir até a prefeitura e esbravejar. No fundo sei que de nada adiantaria...
O que resolveria era a comunidade se reunir e protestar em frente aos homens do povo, para que eles fizessem juz a esse nome. Mas como estava ali para trabalhar e não para agitar passeatas resolvi tentar fazer minha parte e continuar trabalhando.
Mas não parei de pensar como um prefeito não tem peso na consciência, ou como pode nem tê-la. O gasto com material odontológico em um mês não deve chegar a 500 reais em um posto do interior (e estou chutando alto!). O que é esse valor para um prefeitura? E não me venha niguém falar que algumas cidades são muito necessitadas, pois mesmo nas mais precárias já vi prefeito descer de uma Hi-Lux zero. Quanto sai um carro deste por mês entre impostos e combustível - e nem comento o preço de compra -. Então que troquemos o carro importado por um Uninho zero (pode até ter ar-condicionado!). Eu como "chefe da cidade" me orgulharia de desfilar num carro popular e colocar material no posto de saúde.
Não generalizo. Há prefeitos que hoje tranformaram em lei projetos que implantamos em algumas escolas (como o escovódromo e escovação diária), o que nos enche de orgulho e felicidade. Agora muitos outros...
Temos então que fazer uma campanha: Abaixo a Hi-Lux e viva o Uninho!!

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O pagamento

Retornamos de viagem na última sexta-feira. Foram 21 dias na estrada, em um trabalho que nem eu, nem nenhum de meus amigos, conseguimos mais deixar de fazer.
Em uma dessas cidades conheci Joanita. Já a havia conhecido na etapa anterior, sempre prestativa, nos ajudou muito, principalmente cuidando de nossas refeições, na escola e na pousada.
Porém não tive o prazer de atendê-la em maio, quem o fez foi Wanderson, dentista, protético, grande amigo e parceiro de viagens. Ele realiza moldagens e confecciona próteses a serem entregues em outra visita. E foi assim que conheceu Joanita, que tinha uma dentadura quebrada que a incomodava a muitos meses.
Mas tive o prazer de entregar a prótese pronta a ela, já que emu amigo não pode estar nessa cidade (estaria nas duas seguintes). E assim acabei recebendo o pagamento por ele. Não, nós realmente não cobramos pelas próteses, mas o que recebi foi muito maior do que qualquer um jamais poderia pagar com sua carteira: um agradecimento emocionado e os olhos cheios de lágrimas. Tento repassar o "valor" recebido ao grande amigo.
Joanita retirou a prótese antiga, quebrada, que ainda machucava sua boca. Colocou a nova e abriu um sorriso largo, expontâneo, sem que ao menos eu tivesse tempo de pedir isso a ela.
"- Nossa, que alívio, meu filho..." - disse ainda de olhos fechados.
Passei o espelho para que ela pudesse ver o resultado e perguntei se havia gostado. Com os olhos cheios de lágrimas me respondeu:
"- Meu filho, eu fiz essa prótese antiga com um homem que não era dentista, faz muito tempo, e ela começou a me machucar muito. Você sabe o que é pensar que está com câncer? Pois foi o que me disseram desse machucado, que eu tinha que fazer uma dentadura nova com um dentista de verdade.
Mas como? Faço bicos quando aparecem, fiz o almoço e jantar de vocês e consegui 15 reais. Não sou aposentada, não trabalho, como posso juntar dinheiro para pagar uma nova?
Foi Deus quem colocou vocês aqui nessa comunidade pra ajudar a gente. Que Ele ilumine sempre o caminho de vocês..."
Disse e começou a chorar.
Me senti muito feliz pelo Wanderson, por fazer parte da equipe e por, simplesmente, receber aquelas palavras de agradecimento.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Deus e eeeeeu, no sertãaaaao...

Pois é, mais uma etapa do trabalho no sertão. Estamos de saída hoje (até por este motivo estou com uma pressa danada. Sempre arrumo a mala aos 45 do segundo tempo...) para o trabalho do Intituto no sertão. será o mesmo trajeto que percorremos em maio.
Tentarei escrever algo durante o percurso.
Voltamos em breve!

Grande abraço!
Wolber Campos

terça-feira, 1 de setembro de 2009

"Acorda gente!" (por João Victor)

É meu amigo. O país vive ainda uma ditadura disfarçada de democracia. Os principais veículos de comunicação, redes de telejornalismo acreditadas por serem sérias pela maioria da população, ou grandes revistas que vem com escandalos políticos na capa, na verdade, na maioria das vezes tem mais a intenção de detonar tal partido, ou tal político defendendo o grupo político ao qual estão atrelados. É isso mesmo pessoal, a maioria sabe disso mas é melhor reforçar a informação: Globo, Record, Estadão, Veja, Folha de S. Paulo e etc., todos tem um interesse político por trás daquelas épicas reportagens. São VENDIDOS,e duas vezes: uma para o grupo político que defendem; oe dua para o cidadão comum que quer se manter informado. Claro que nem tudo é mentira, mas saber filtrar as informações é importante. Como? Conversando com as pessoas sobre isso, "o que que você acha de tal opinião?" . No final das contas o que resta mesmo é a sinceridade das pessoas, a um questionar de uma questão essencial: "será que isso é realmente verdade?" . . .
Ainda bem que nos resta esse meio em que podemos nos expressar de forma livre - parecido com a forma que os jovens que moram em países ditatoriais (China) tem conseguido se expressar - a internet. Criticar, pensar em mudar, tudo isso faz parte do processo, mas deixar de se expressar é jogar tudo isso no lixo. Claro que não falo para virarem uns chatos que só falam de política, mas toda a vez que o assunto vier à tona ou toda vez que sentir que a conversa pode evoluir para um lado como esse, não ter medo de expor uma opinião, e o mais importante, não ter medo de ouvir atentamente a opinião dos outros. Fazer também é importante, mas talvez venha como um próximo passo, pois deve haver interesse para que algo seja feito. Enquanto uns bunda-moles estiverem confortavelmente assistindo à Sessão da Tarde, logo após o Vale a Pena ver de Novo, um pouquinho antes de Malhação todos os dias, sem criar nada novo, sem nem procurar por uma identidade, nem que seja a sua própria, o país VAI viver nessa e a pessoa também. Aliás esse é o modelo de uma tarde medíocre que pode ser comparada a uma vida sendo vivida assim, de modo medíocre também: começo, meio e fim - Vale a Pena ver de Novo, Sessão da Tarde e Malhação. No fim, dessa vida, o que você terá feito de verdade? Estava sol lá fora, você nem viu;
E eu só sei disso, por que muitas vezes eu mesmo me vejo preso a um mundo bunda-mole, em estado de letargia. "ACORDA GENTE!" . . . nós podemos realizar muito, mas precisamos nos capacitar, trabalhar, ganhar dinheiro com boas idéias e procurar reinvestir o que agente puder: tempo, dinheiro,e até mesmo o amor em ações que ajudem a esse país sair da lama. Que ajude a mostrar aos outros e ao povo, que não pode enxergar apesar de poder ver, que o país esta sendo roubado e de forma descarada. Consciência ao povo, começa com quem tem mais, ou quem pode ver mais, ajudando a quem está vendo menos. "ACORDA GENTE".
Abraços Wolbão.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O foco

O brasileiro é um povo sem igual. Em sua maioria é alegre, amável, solidário. Bom, sendo assim o país deveria deslanchar. Pois é, deveria...
Infelizmente o maior defeito do nosso país é a corrupção generalizada que "infecta" nossa política. São muitos e muitos milhões de reais desviados, nós nem fazemos idéia da montanha de dinheiro que em vez de retornar à população - em investimentos na saúde, educação, saneamento, desenvolvimento - vão para o bolso de poucos brasileiros.
Se a torneira aberta que verte o dinheiro público para a corrupção fosse fechada somente pela metade isso já seria suficiente para o Brasil começar a decolar mas, enfim, tudo permanece como a anos atrás. Os políticos são denunciados por corrupção, provas aparecem, assinaturas, eles se seguram no cargo até onde podem, quando não mais conseguem renunciam e basta novas eleições para que voltem aos cargos e à festança.
Temos um ex-prefeito aqui em São Paulo que, para mim, é um dos maiores exemplos de impunidade. São tantas as provas de que ROUBOU da prefeitura que o próprio banco da Suíça para onde ele havia enviado o dinheiro enviou os documentos, assinaturas, extratos, como quem nos avisa: "brasileiros, acordem! Dêem uma olhada quanto dinheiro esse homem mandou pra cá desviando de vocês!".
Isso já faz alguns anos e o que aconteceu? Nada. Momentâneas brisas de esperança passam quando congelam seus bens, surge a idéia de que possa acontecer algo, mas, como sempre, nada.
Com Sarney acontece o mesmo que já aconteceu com outros dois recentes presidentes do senado, só que agora ainda há algo mais preocupante: ele, diferente dos outros, nem perdeu a cadeira de presidente da instituição.
Pois é, então não temos esperança? Temos sim, e só depende de nós. De mim, do vendedor de cachorro quente da esquina, do dono de bar, do meu amigo do sertão que está sentado na frente do computador lendo esse texto...
Temos que ajustar nosso foco. Ontem a Portuguesa (time daqui de São Paulo) perdeu um jogo em casa. Foi o bastante para que a torcida se revoltasse e alguns homens invadissem o vestiário, armados, para cobrar essa derrota.
São vários os exemplos semelhantes, há pouco tempo me lembro de um jogo do Corínthians no estádio do Pacaembú, quando ele perdeu a classificação na Libertadores da América. A torcida enlouqueceu, derrubou o alambrado que cercava o campo, enfrentaram e agrediram policiais. No dia seguinte foram à frente do Parque São Jorge, onde o time treina, e cobraram mais raça, vontade, chutaram carros e ameaçaram os jogadores. Quanta enegia desperdiçada.
Isso pra quê? O que o time ganhar ou perder vai mudar na vida daquele cidadão? Ele vai tirar um sarro do amigo dia seguinte ou ser "zoado". Grande coisa.
Se pessoas que em vez de usar seu tempo para essas ações o usassem para pedir mais ética na política já seria um ótimo começo. Os deputados vão votar o próprio aumento de salário e já possuem milhares de outros benefícios, 3 meses de férias e por aí vai. Quantas pessoas vão na frente da Câmara para protestar?
Em compensação vá o time do coração passar por uma má fase.
Enquanto não acertarmos o foco, em cheio, tudo permanecerá do mesmo jeito. Denúncias virão e no final: nada.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Sons

Um dos sons que estou mais escutando nesses dias é o acústico MTV do Lenine. Eu pouco conhecia dele - apenas as músicas mais famosas - e esse cd é tão bom que não para de ouví-lo de "cabo a rabo".
Vi no Youtube alguns clipes desse acústico que me impressionaram mais ainda, deixo os links abaixo. É uma produção muito bonita, de interpretações no palco e de tomadas de câmeras da mtv. Vale a pena ter o dvd (original!).
Espero que gostem como eu curti.
Grande abraço!
Wolber Campos

O atirador: http://www.youtube.com/watch?v=dFHqQW24i00

O Último Por do Sol: http://www.youtube.com/watch?v=qoeBK1MxI_U&feature=related

Miedo: http://www.youtube.com/watch?v=pdt7qKLJDvg&feature=related

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Trabalho interior (por João Victor Macul)

João Victor comentou o texto "O inferno" e o resultado segue abaixo... Valeu Johhny!
Wolber Campos

Que sonho hein? Ilariê e sua turma logo a dois pisos abaixo de você?! Eu tive uma vizinha assim, era uma merda, mas sabe do que, é bem o que você falou: eles vivem num inferno dentro deles. Há um ditado que diz que quem não tem prazer o suficiente se torna um estraga prazeres. Do lado do meu prédio havia um terreno enorme que era um estacionamento, tinha dois Ipês Roxos que no inverno floriam, era lindo de ver. Venderam o terreno para uma construtora e agora está saindo um outro prédio com duas torres. Todo o dia começa o barulho por volta das 7:00 da manhã, literalmente na minha orelha. Ah, e bye bye Ipês. O que fazer com esse sentimento de raiva, que é evidente? Cada um pode achar um jeito de lidar com isso. Esconder é impossível, ele esta aí. Descontar nas outras pessoas é pior ainda. Situações e pessoas vão despertar raiva, alegria, inveja, tristeza em cada um de nós, mas tudo isso já estava dentro de você, em estado latente. Trabalhar todos esses sentimentos através de filosofias, exercícios, religiões ou seja lá o que for é uma opção pessoal, mas para que haja paz lá fora tem que haver paz dentro de nós. Esses indivíduos devem estar se sentindo tão vazios de qualquer coisa que não seja a nossa vazia sociedade de consumo que canalizam toda essa energia descontando em pessoas, ou coisas e etc. Mas cria-se aí um ciclo vicioso, como uma droga mesmo, por que toda vez que esse vizinho desconta a raiva em você ele relaxa por alguns minutos e depois tudo isso volta de uma forma pior ainda. Enquanto o cara não se tocar disso ele vai seguir infeliz, e viciado para o resto da vida. Acho que pra você eu só consigo ver três opções (aliás vou cobrar uma pequena taxa por essa consultoria com um ser tão iluminado como eu, huahuahua): querer que o cara encontre algo que o deixe mais calmo: um esporte, uma filosofia, ou, dependendo do caso, até mesmo um bofe; rezar pro cara se mudar e enquanto isso exercitar o duro ofício da paciência; ou se mudar logo. Um abraço, to com saudade de você cara, desculpe o longo texto.

João Victor

sábado, 15 de agosto de 2009

Os dois textos

A partir dessa semana tentarei algo que necessita muita coragem, que pessoas cardíacas ou que não aguentam emoções fortes não deveriam tentar: escreverei dois textos por semana.
Veremos até quando resistirei a isso...
Grande abraço!
Wolber Campos

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A noite especial

Toda noite era sempre igual. Ao chegar do trabalho, na calçada em frente ao meu prédio, estava aquele senhor, dormindo no chão, enrolado em um velho cobertor. Como infelizmente acontece conosco, mesmo situações que nos tocam, tornam-se menos agressivas na repetição do cotidiano. Fato que era quebrado esporadicamente, nas noites mais frias onde a compaixão voltava a aflorar com violência.
Todo dia era quase sempre igual. Eu sabia se estava atrasado ou não apenas de olhar para aquele senhor. Se desço para o trabalho às 7:10h ele está sentado, como quem espera aquela democrática preguiça ir embora para despertar completamente e se levantar. Quando saio pouco mais cedo ele ainda está enrolado na coberta, dos pés à cabeça, como estava de noite e se saio atrasado - mesmo 5 minutos - ele não está lá. Parece um relógio!
Essa convivência até nos aproxima, o senhor passa a ser, praticamente, o meu vizinho. Eu o vejo mais do que muitos vizinhos que moram dentro do prédio (não tanto como a mulher de baixo...) e com isso virou natural cumprimentá-lo. Desço de manhã com minha namorada e solto o meu "bom-dia", que é correspondido com um aceno de mão e um abaixar de cabeça.
Uma noite eu cheguei mais cedo e ele estava arrumando um papelão - seu colchão - no mesmo lugar de sempre. Passei e o cumprimentei. Ele dessa vez ergueu a mão e me dirigiu, pela primeira vez, a palavra:
- "Ei fio. Viu, eu gosto muito. Você todo dia passa com sua mulher e me fala "bom dia". Olha, eu gosto muito viu!"
E me disse de como se sente bem ali; ninguém reclama dele, o deixam em paz. E novamente me agradeceu muito o gesto de lembrar dele todo o dia.
Fiquei muito feliz em vê-lo contente por causa de algo tão simplório, apesar de saber que para ele não era nada simples receber um alô de qualquer pessoa. Não sabia que ele recebia tão bem meu cumprimento.
Toda noite era igual. Aquela foi diferente. Pelo menos para mim foi especial.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O inferno

Durante séculos a humanidade vive com suas alegorias de céu e inferno que povoam a cabeça de milhões de pessoas e ainda tira o sono de muitos pecadores (não em Brasília, é claro).
Eu cresci, como muitas crianças, com a idéia de que embaixo da terra existia um inferno, com seres do mal que procurariam prejudicar e atrapalhar a vida dos pobres mortais aqui em cima.
Hoje, muitos anos depois, chego à triste conclusão de que, pelo menos para mim, isso se tornou uma realidade.
Moro em um prédio, num apartamento do segundo andar. Porém ali, sob meus pés, está a personificação do mal, das agruras e sofrimentos, dos tormentos e dos desejos malévolos: a vizinha do primeiro andar.
Foram mais de 22 anos morando no mesmo local, um bom lugar, vivendo em paz e harmonia com todos os vizinhos. A três anos atrás morava um casal de velhinhos, muito bonzinhos e que nos conheciam desde crianças e sempre nos cumprimentavam com sorrisos. Mesmo quando eu e meus dois irmãos na loucura infantil de gastar as energias jogávamos bola no apartamento e comemorávamos gols como se fossem a final do campeonato brasileiro.
Há dois anos (pouco tempo depois do simpático casal se mudar) passou a viver ali uma família - um casal e uma filha de seus 18 ou 19 anos. A partir daí passei a ver aquela alegoria que estava escondida nas profundezas de meu cérebro surgir como se sempre estivesse ali, pronta para saltar diante dos meus olhos.
Desde os primeiros dias a vizinha de baixo - como a chamamos - tem como principal passatempo reclamar em nossa porta - ou pelo interfone, ou pelo telefone, ao porteiro, enfim, em qualquer veículo que se faça ouvir. O menor barulho, em qualquer horário é motivo para reclamações, ofensas verbais e ultimamente, na compania do "time completo" - marido e filha - até ameaças de agressões.
Sei que muitos podem defender seu próprio lado e colocar-se no papel de vítima, mas não é esse o caso.
Eu e minha namorada acordamos as 6:15h, tomamos banho, nos arrumamos e só na hora de sair ela coloca o salto alto para não haver qualquer reclamação - em torno das 7:15h. No dia seguintes há recados para minha mãe do tipo: "Não aguento mais a sua nora, que acorda e faz barulhos sapateando com seu salto e derrubando coisas que parecem que o teto cairá sobre a minha cabeça desde as 5:00h da manhã!!". Numa criatividade que daria inveja a Lucifer.
A imagino parada, sentada em sua sala, sem fazer nada, apenas de ouvidos atentos ao menor barulho, como se sua felicidade estivesse em pegar o interfone e discutir um pouco com alguém. Quem nunca viu alguém que discute em qualquer lugar: na padaria, na fila do banco, com a caixa do supermercado?
Num dos últimos bate-boca (aliás nem sei se o termo seria correto, pois as únicas bocas que funcionavam gritando eram a deles...) em nossa porta o marido ameaçou que nós iríamos nos "arrepender profundamente" caso o inferno de barulho não acabasse. Pensei: "será que ele não vê que o inferno fica ali embaixo, em sua própria casa?". Mas seria inútil falar, até porque eles nunca ouvem o que tentamos dizer.
Meus sobrinhos - um de 6 e outra de 4 anos - quando vão em casa para brincar sempre ouvem quando fazem barulho: "cuidado com a mulher de baixo", a versão mais atual do "bicho papão" ou do "homem do saco".
Muita gente tem a sua "vizinha de baixo", que pode ser a de cima, do lado, ou mesmo nem ser vizinha. E me pergunto o que faz essas pessoas viverem seu inferno astral. A histório do inferno está em nós mesmo é real, cabe a nós deixá-lo escondido e inacessível ou vivermos dentro dele.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Prefeitura X Minorias

Quem é da cidade de São Paulo vem acompanhando a alguns meses alguns atos da Prefeitura para tentar melhorar o trânsito caótico da cidade.
Os amigos leitores das cidades do interior do Brasil não devem imaginar o que é um congestionamento daqui.
Perdemos muitas horas por dia nos deslocando de casa para o trabalho. Isso sem exagero mesmo, há trabalhadores que levam de duas a três horas para ir e outras três para voltar, somando-se assustadoras 5 ou 6 horas perdidas por dia, olhando para fora de uma embaçada (mais ainda nesses dias chuvosos) janela do ônibus.
A primeira tentativa para tentar aliviar, ao menos um pouco, o problema foi o rodízio municipal de veículos, que significa não poder usar seu carro no dia que seja marcado para o número final da sua placa - na segunda-feira não circulam os de final 0 ou 1 e assim por diante.
Nesses últimos dias novas atitudes energéticas foram tomadas, mostrando que a prefeitura tem coragem para mexer em vespeiros. Porém dessa vez coragem não está sendo aliada ao bom-senso.
Primeiro os caminhões foram impedidos de circularem durante o dia na cidade. "Ah, ótimo! Aqueles caminhões realmente enchem as ruas e aumentam muito o trânsito" alguém pode dizer. Porém fica mais difícil de se aceitar quando pensamos num trabalhador que tem o seu caminhão como sustento. Uma pessoa que de uma hora para outra - sem direito a negociar - será transformada em um trabalhador noturno. Isso sem mencionar que muitos caminhões que circularam de noite para descarregar suas mercadorias em supermercados tiveram que esperar até o amanhecer, já que a empresa não mudará seu horário de recebimento, e após descarregar o motoristae faz? Volta para casa e toma multa??
A novidade agora é a lei que proibe os ônibus fretados de circularem dentro da cidade. Eu sempre sonhei em ir para o trabalho num ônibus fretado e se houvesse a possibilidade, se trabalhasse em uma empresa que tivesse um não pensaria duas vezes: largaria meu carro em casa e iria no conforto de um ônibus tranquilo, dormindo ou lendo, não me preocupando com o trânsito. Ganharia horas de vida! E muitos fazem isso, pensam da mesma forma. Agora, essas pessoas que eram "abençoadas" antes, na minha opinião, terão que vir de fretado até uma estação e terminar o trajeto de metrô ou ônibus normal. Então, no horário de pico, pegarão uma enorme fila para entrar no vagão. Nem sempre conseguirão entrar no primeiro trem (eu quando usava, muitas vezes não conseguia) e quando conseguirem se espremerão lá dentro, sentindo o que uma sardinha deve sentir quando colocada dentro de sua lata. Ou pegarão um ônibus quase sempre lotado, torcendo para não ir na porta ou escada, quase dependurado. Sentar seria uma utopia, alcançada apenas aos felizardos que conseguem subir no ônibus em seu ponto inicial.
Manifestações estão acontecendo todos os dias para que a nova lei deixe de existir e a queda de braço parece ainda distante de terminar.
Isso tudo mostra um descaso com a minoria, bem do tipo: para melhorar o todo vamos atrapalhar os caminhoneiros ou quem usa ônibus fretado. É prejudicar poucos visando o bem de muitos.
Mas isso está certo? Eu acho que não.
São só atitudes paliativas que tiram um pouco o foco do que realmente a prefeitura deveria fazer: investir maciçamente no transporte público. Podem ter certeza que se houvesse um ônibus decente ou um metrô que ligasse grande parte da cidade aquela pessoa que se estressa no trânsito e gasta dinheiro com gasolina todo dia não pensaria duas vezes em deixar o carro em sua garagem.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

A comunicação

Na equipe do Instituto em que viajamos está o Vitor Pinduca, cinegrafista que faz a parte da inclusão digital e oficina de Rádio e TV do projeto.
Antes de chegarmos na próxima cidade - Marari, no Pernambuco - ele comentava com Érik (parceiro de viagem) sobre o trabalho que estava fazendo no mestrado. Era algo como a comunicação verbal. Há muitas comunidades do interior do Brasil onde as notícias chegam por vias diferentes. Não há muito acesso ao jornal e notícias locais chegam às vezes por um comerciante que veio da cidade vizinha, de um caminhoneiro que passou por uma ponte quebrada, essas coisas.
Demoramos para chegar na pequena comunidade, o caminho era difícil e nos perdemos algumas vezes. Perto das 22h paramos em uma praça onde um som tocava alto e um grande número de jovens tomavam seus "drinks" encostados nos carros ou bancos espalhados por ali.
Paramos a caminhonete - toda adesivada, bem colorida e com fotos - e perguntamos a um rapaz onde ficava a comunidade que estávamos procurando.
- O que? Nossa, que carrão bacana! Oceis são da onde? Por um acaso são do caminhão do Gugu, é?? - nos disparou o jovem antes até mesmo de acabar de ouvir nossa pergunta.
Rimos. O Luis, que estava ao volante, resolveu entrar na brincadeira (que para o jovem não era) e disse que sim, estávamos levando o caminhão para o Dequinha, que nos esperava lá.
Rapidamente o rapaz juntou seus amigos em volta do carro e virou a maior festa. Luis disse que era brincadeira, contou quem éramos de verdade e que precisávamos chegar lá rapidamente. Eles, sempre desconfiando que éramos realmente a equipe do Gugu, disseram que nos guiariam de moto até o local. Perfeito para nós que estávamos cansados àquela altura da noite.
Próximo ao nosso destino o caminhão precisou fazer uma volta maior e os rapazes foram embora, visto que demoraríamos mais um pouco. Agradecemos muito e nos despedimos. Rapaziada nota 10.
Depois da espera o caminhão nos alcançou e chegamos à pequena comunidade. Já era tarde e quase todas as casas estavam fechadas. Um silêncio só.
De repente, no escuro que seguia à nossa frente vimos um vulto, um grande vulto, vindo no meio da rua, em nossa direção. Era uma moça, bem gordinha - bem mesmo - e uma amiga, ambas chapadíssimas e enquanto se aproximavam a ouvimos gritando e gesticulando excessivamente.
Naquele clima de interior, quase meia noite, tudo fechado, era algo um tanto bizarro de acreditar, mas a gordinha, gritando, começou a bater as mãos no capô da caminhonete e, ao pararmos, se aproximou da janela do passageiro, onde o Vitor estava sentado. Só ali conseguimos entender o que dizia:
- Vocês são do Gugu!!! Eu sei, eu sei! Cadê ele?? Moço, eu sou a maior fã do Gugu - não duvidávamos disso...- eu preciso ver ele. Cadê? Eu vou com vocês!!
Abriu a porta e com uma mão - sem exagero! - tirou o pobre e surpreso Vitor de dentro do carro, se jogando ali em seguida.
Eu, no banco de trás, não sabia se gargalhava ou se chorava de medo. Mas na dúvida, dei muita risada.
Foi uma bagunça daquelas, nos seguiu até a praça aos gritos, acordando a todos na cidade, subindo na escada que leva ao teto da nossa van, no quadriciclo que a caminhonete puxava. Quase se jogou dentro do carro.
No dia seguinte muitas pessoas da cidade vieram nos pedir desculpas pela inusitada recepção (mal sabendo o quanto nós havíamos nos divertido). E entre os amigos Vitor não acreditava que poderia ter dado um exemplo melhor e mais rápido ao Érik sobre sua tese de mestrado.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Heróis (por Carol Máxima)

No texto de 18 de junho, "O círculo da vida", contei a história de uma professora - e grande amiga - do interior do Maranhão.
A Carol escreveu um comentário tão legal que mereceu ser colocado aqui como texto. Segue abaixo.

Wolber Campos

'dispensa comentários'

Esta história - claramente real , me faz lembrar que Pedro Bial costuma se dirigir aos seus 'Brothers' chamando-os de 'heróis'; toda vez que ouço isso me questiono quanto à banalização deste termo - sim, porque sendo o sistema como é, os queridos e íntimos 'Brothers' do Brasil são nacionalmente reconhecidos tal qual os nomeou Bial: 'heróis'.

Afinal, o que significa ser Herói?

Acredito que Ser Herói não é ter super-poder - mas também está muito longe de ser apenas 'sobrevivente' em um reality show onde se passa o dia entre intrigas, mordomias, nenhuma privacidade e total falta de conteúdo.

Já me disseram que um Herói é aquele que faz o que tem que ser feito quando precisa ser feito. CONCORDEI. Mas logo me questionei: ’Ok, e daí?! Como é isso?!’

Ao longo do tempo consultei meus conceitos e um monte de outras fontes.
Misturei e organizei tudo, e o ‘como’ ficou assim..:

Ser Herói é ser como a protagonista desta história... É ir além das expectativas do mundo ou mesmo das próprias, é doar seu tempo, ombros, braços, talentos, atenção, energia e até mesmo os sonhos a quem quer que necessite - independente de holofotes, prêmios e aprovações.

Seguir um Sonho... O Sonho de ser Alguém para ajudar alguém a também ser Alguém.

Quantos Heróis 'anônimos' existem neste mundo? Quantos homens e mulheres lutaram por este Sonho?
Pessoas 'comuns' que lutaram para adquirir diplomas, títulos, estabilidade, conforto... Simplesmente para então alcançar seus Sonhos reais... Conquistar sorrisos, semear saúde, distribuir esperança, fortalecer a confiança e a auto-confiança!
Pessoas comuns que dedicam todo o seu tempo ou parte dele ao próximo, ensinando-o, tratando seus dentes, curando suas enfermidades, respeitando-o, dando-lhe asas aos sonhos...

Se um BBB for reconhecido como 'herói', o que serão aqueles que dedicam a vida inteira a uma empreitada como a desta professora? O que serão estes médicos, professores, dentistas, contadores de histórias, empresários, artistas, ambientalistas e sonhadores apaixonados que passam parte de suas vidas como voluntários percorrendo aldeias e cidades carentes, maltratadas, devastadas ou simplesmente esquecidas ao redor do mundo?

A evolução é indispensável, mas a inversão de valores trazida por esta ‘onda’ chega a ser insuportável.
Assim, há pontos aos quais me entrego (sim, necessito de energia, tecnologia, inovação) – mas também há os que não tolero - como a banalização de conceitos, termos e princípios.

NÃO, não enxergo outra denominação que não 'Heróis Humanos'.
Humanos por terem sido capazes de sonhar com a possibilidade de fazer outros também sonharem e Heróis por terem sido capazes de perseguir e alcançar estes sonhos - os seus e daqueles que lhes cruzarem o caminho.

Aos 'Heróis Humanos', todo o meu Respeito e Admiração.

Wolber, por favor, aplauda também por mim a entrega deste diploma!

Carol Máxima

sábado, 11 de julho de 2009

O mundo novo

Criança é sempre uma alegria. Ainda me lembro quando recebi a notícia de que meu irmão mais novo havia engravidado a namorada – e o namoro já estava quase acabando. Depois daquele susto, das preocupações, do término do relacionamento, logo meu sobrinho estava correndo pra lá e para cá e já tinha se tornado a alegria da casa.
Hoje ele tem 6 anos e está aprendendo a ler. É gostoso observar a curiosidade com que tenta decifrar as palavras e frases espalhadas por toda a cidade. É um mundo novo que se abre diante dos pequenos e atentos olhos e podemos ver a alegria que as crianças sentem em poder compartilhar as letras conosco.
Daí podemos ver a importância da alfabetização dos adultos. Um analfabeto - mesmo um semi-alfabetizado – vive num mundo estranho, se afogando num “mar” de sinais complicados esparramado sobre tudo o que vê.
Imagino-me vivendo na China, sem fazer idéia do que significam aqueles mandarins curiosos. Uma sensação de impotência para conviver bem num lugar que não é o meu.
Um adulto que aprende a ler suas primeiras letras é algo totalmente emocionante. Uma criança tem um mundo se descortinando à sua frente, porém tudo está se abrindo, várias informações e conhecimentos que se somam de uma vez só. O analfabeto já passou muitos anos num mundo desconhecido, misterioso e, de repente, tudo se abre, se torna claro. Aqueles símbolos outrora estranhos passam a fazer sentido e uma enxurrada de informações pode ser absorvida.
Ler o nome do creme dental, saber o que diz a manchete do jornal, decifrar uma propaganda na parede de uma rua, ler uma placa de trânsito. De repente tudo passa a fazer sentido.
Uma pessoa, depois de adulta, começa enfim a pensar que também faz parte deste mundo.

domingo, 5 de julho de 2009

Motivação

Dia 10 de junho eu operei meu joelho direito. Pra ser mais específico ainda: o ligamento cruzado anterior (LCA). Graças a Deus a recuperação está ótima, semana passada já havia abandonado as muletas e quase não manco...
Chegou a época das sessões de fisioterapia, excelente e necessária para uma boa recuperação mas não vou mentir, dói um pouco, em algumas horas até muito. Mas paradoxalmente é uma dor boa, que você sai das sessões já andando melhor e a cada dia movimentando mais ainda o joelho.
Na sexta-feira, depois de uma tranquila parte de alongamentos e exercícios de fortalecimento muscular chegou a hora tão temida: a de dobrar o joelho. Primeiro a mulher já me disse uma frase que soa estranho e temida para qualquer homem:
- Vai, vira de bruço...
Barriga pra baixo, perna direita (a operada) ligeiramente dobrada pra cima ela começou a movimentá-la e dobrar bem de leve, me pedindo para que eu a relaxasse. De repente a dobrou, fazendo uma grande pressão.
Mas doeu... Do tipo que você aperta os dentes e poderia espremer uma laranja sem descascar facilmente se a tivesse nas mãos. Quando me contraí, segurando o grito pelo único motivo da vergonha das outras pessoas que estavam na sala, ela me disse simplesmente:
- Não, relaxa, vamos lá - disse enquanto aumentava a pressão.
Na hora ainda pensei: "mas como é que alguém consegue relaxar enquanto sente uma dor dessas, criatura?".
Quando ela soltou a perna e eu comecei a dar gargalhadas involuntárias (não sei se pelo prazer de acabar aquela série ou de nervosismo). Ainda me disse uma gracinha, fazendo uma analogia pra eu lembrar dos meus pacientes que sentiam dor.
- Mas pelo menos eu anestesio eles antes de mexer - respondi mais alto do que eu gostaria, mas me lembrando que ainda teriam mais duas séries, ponderação era algo impensável para mim.
Me lembrei daquele filme "O virgem de 40 anos", em uma cena que ele vai depilar o peito e a dor é tão grande que ele, involuntariamente, começa a xingar a depiladora. Perguntei à moça se alguém já a havia xingado depois de alguma série sem querer, só para extravasar. Como ela me respondeu negativamente me concentrei pra não ser a primeira pessoa a passar aquela vergonha.
Quando começou a segunda vez ela - uma ótima profissional e gente boa também - me contou uma pequena história:
- Eu sei que não é fácil. E você ainda imagina um outro paciente que eu tenho que perdeu a perna direita num acidente de moto, a esquerda quebrou em quatro lugares diferentes. Eu tenho que dobrá-la, assim como estou fazendo com você, mas ele ainda não tem a outra para apoio.
Quando ela dobrou essa vez eu não soltei um mínimo gemido e ainda pensei: "pode apertar o quanto puder...".

sexta-feira, 26 de junho de 2009

1 ano!!!

Pois é amigos, hoje este blog completa um ano de existência, mas com um corpinho de 6 meses...
Agradeço a todos que perderam alguns minutos por essas páginas durante este tempo. Espero que estejam se sentindo tão a vontade como eu me sinto escrevendo aqui.
E que venham muitos e muitos outros anos...
Grande abraço!!

Wolber Campos



quinta-feira, 25 de junho de 2009

Apenas mais um domingo de futebol

Aquele seria um dia de fim de semana igual aos demais. Porém, naquele ensolarado domingo, ele estava mais feliz do que o habitual: era dia de jogo. Sempre sentia um friozinho na barriga nesses dias, aquela felicidade que não conseguia explicar.
E como um simples jogo de futebol consegue fazer isso? Porque consegue dissipar preocupações, problemas, o faz se esquecer da dura rotina de office boy, do chato do patrão... Nada mais tinha importância naquele dia, apenas o seu time do coração. E como é democrático, essa mesma empolgação envolve desde o operário ao presidente da empresa (até o da República!).
Vestindo a camisa de seu time, pegou o ônibus e seguiu para o estádio com dois amigos. O Assunto, claro: a grande final.
De repente ouviu alguém, dois bancos a frente, mesma camisa que a sua, xingar violentamente alguém pela janela. Metade do corpo para fora, derramava os palavrões sobre um acanhado carro onde estava duas pessoas com a camisa do time adversário.
Quando outros passageiros uniformisados repetiram o gesto ele não pensou duas vezes: com seus amigos gritou até que sua garganta doesse os maiores impropérios na direção do, agora amedrontado, torcedor adversário.
Ele que sempre teve um ar mais pacato até se surpreendeu com sua atitude, achou graça e sentou novamente com os amigos, comentando entre risos a cara de medo do pobre motorista.
Hora do jogo, alegria, raiva, apreensão, sentimentos vão e vem numa mistura de sensações indiscritível. Tudo culminando com a vitória do seu time. Seria um dia perfeito, não fosse o começo de uma confusão entre as torcidas.
Gritos, tumulto, o alambrado no chão, as duas torcidas agora se degladiavam no gramado. O palco, outrora de um simples jogo de futebol, se tornava um embate entre duas equipes furiosas.
Ele não pensou duas vezes e junto aos seus amigos desceu as arquibancadas para se juntar aos torcedores do seu time que corriam risco diante daqueles horríveis adversários. Mal sabia que na cabeça dos outros que desciam os degraus da torcida adversária se passava o mesmo pensamento.
Fosse algo no Oriente Médio, Faixa de Gaza, onde há uma história de ódio entre povos diferentes, judeus e palestinos, pessoas que aprendem a odiar seus semelhantes de outra pátria desde criança ainda acharíamos uma explicação. Não justa, mas seria uma explicação. Ali lutavam jovens, furiosamente com pedaços de pau, pedras e um ódio mortal, simplesmente porque o outro a sua frente estava usando uma camiseta de outro time. Nada mais nada menos.
E foi assim que outro office boy, que também lutava diariamente por seu salário no fim do mês se aproximou. Outro jovem que, se trabalhasse na mesma repartição, poderia ser facilmente seu amigo. Tinha um enorme pedaço de pau nas mãos, e num momento de distração desferiu-o em sua cabeça.
Dias depois ele faleceu. Sua mãe não entendia, ninguém entendia. Era pra ser apenas mais um domingo de futebol.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Círculo da vida

Se um dia eu fosse buscar um exemplo, se tivesse que achar alguém para admirar, eu caminharia para o sertão do Maranhão. Mas ali, não me contentaria apenas em chegar a uma pequena cidade, adentraria mais, até a zona rural. Ainda assim, não ficaria na área mais povoada, seguiria por uma estradinha de terra, muito bonita, completamente arborizada, que permeando por entre árvores dos dois lados me fizessem observar pequenas plantações de arroz e milho por trás delas.
Esse caminho me levaria a uma simples e bonita casa, em um sítio, onde a luz elétrica ainda não chegou.
Para nós, que viemos de uma cidade grande e estamos cansados de tanta poluição (do ar, sonora, visual...), é um lugar delicioso em que a ausência de energia apenas aumenta sua beleza bucólica. Mas os moradores sonham com seu advento. Tarefas simples se tornam complicadas em seu dia a dia: conservar alimentos, ter uma televisão, estudar à noite...
“Tomamos sempre muito cuidado com a quantidade de comida a ser feita; não pode sobrar nada, senão temos que jogar para as galinhas...” – dizem por ali.
Nessa casa vive uma feliz família, típica do sertão, onde o pai cuida de suas roças e a mãe das tarefas do lar. Apesar de não terem conseguido seguir com os estudos esses exemplares pais fazem questão dos filhos irem à escola e que concluam os seus. Fato que não é tão comum como pensamos.
“O pai de uma professora daqui da escola não queria que ela estudasse, dizia que mulher tinha é que tomar conta da casa. Ela teve que estudar contra a vontade dele, chegando em casa e ainda dando conta de todos os afazeres domésticos.” – conta uma colega.
A primeira filha já está prestes a se formar na faculdade de letras. Sempre estudiosa seguiu com o magistrado e se tornou uma jovem professora, lecionando na escola de seu bairro. É daquelas pessoas que tem um forte senso de justiça e se incomoda com a falta de atitude alheia para melhorar a vida de seus alunos ou da comunidade em que vive.
Hoje nos conta, emocionada, as dificuldades que passou para entrar na faculdade. Depois de trabalhar durante o dia e ajudar nos afazeres de casa acendia uma vela ao lado de sua cama, para poder estudar para o vestibular.
Certa noite sua mãe se emocionou ao ver a filha cansada dormindo, livro aberto sobre o peito, cabeça pendendo para o lado, deixando os cabelos muito próximo à chama da vela que se consumia vagarosamente, iluminando o quarto com sua fraca luz.
Para chegar à escola em que estudou – e que hoje é professora – seguia uma trilha em meio às árvores, onde se atravessa até um pequeno riacho, caminho que seus irmãos usam atualmente.
Cansaço? Nem pensar, a única parte difícil do trajeto é se proteger das mutucas, inseto que tem uma picada muito forte e habita grande parte do trajeto.
“Nada que uns galhos colhidos pelo caminho não ajudem a espantar.” – dizem seus irmãos batendo com os arbustos nas pernas e costas enquanto andam.
A alguns meses de sua formatura sonha em melhorar a vida de seus alunos, de quem cuida com o carinho de uma mãe que quer o melhor para seus filhos. Sabe que as dificuldades pelas quais passou apenas a deixaram mais preparada para isso e com mais vontade de vencer na vida.
E aguardando o grande dia de pegar o diploma continua rodando o ciclo da vida, ensinando “seus” pequenos, sentados nas mesmas cadeiras em que há alguns anos atrás ela mesma aprendia a ler.
E nesse dia nós estaremos lá, ao lado dela.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Nem tudo é o que parece

O vídeo abaixo mostra a travessia da ponte que nos separava da cidade de Poço das Trincheiras, que fica no sertão de Alagoas. Um lugar daqueles bem característicos, que também poderia ser cenário de muitos filmes que se passam no sertão nordestino (disse “também” porque a última cidade em que trabalhamos foi Cabaceiras – PB, onde foi gravado “O auto da compadecida” e mais de 20 outros filmes). A pequena comunidade se situa entre um grande – e lindo!- monte e um rio, bem caudaloso nessa época de muitas chuvas, mas que em grande parte do ano fica seco.
Nessa região as chuvas não causaram tanta destruição como em outras partes do nordeste neste ano, mas muitas barragens tiveram que abrir algumas comportas e o aumento dos rios impediu a ligação entre alguns locais deixando muitos alunos sem poder ir às aulas ou trabalhadores aos seus serviços.
Desse modo sabíamos que haveria grande chance de dormir na comunidade se o rio subisse um pouco mais, por isso já nos preparamos com alguma muda de roupa.
No final deste primeiro dia encontrei com meus amigos na praça. O calor estava enorme e uma cervejinha gelada parecia uma miragem depois de um dia de trabalho. Ao pegar meu copo no pequeno bar no meio da praça – que me lembrava um trailer – o rapaz me perguntou:
- Algum de vocês toca violão?
Geralmente nos consideramos garimpeiros de locais para se fazer um lual. Como é difícil conseguirmos tempo para visitar as bonitas cidades por onde passamos durante o dia é de noite que temos chance de ir para alguma cachoeira, rio, ou qualquer lugar onde o contato com a natureza seja uma dádiva para nós que vivemos em meio a tantos prédios e cimento.
Eu disse que tocava um pouco e o ouvi respondendo que então pegaria um violão para eu tocar com a “rapaziada” ali do lado.
Olhei e vi a “rapaziada” tão “alta” que pareciam estar flutuando ao lado do bar. Pensei na furada em que poderia estar me metendo. Já tive situações em que toquei com uma galera completamente “breaca” e não é fácil. Geralmente pedem músicas que você não sabe, reclamam brincando que não toca nada, não curtem as poucas que você tenta tocar... Enfim, olhei para meu copo de cerveja geladinho e pensei como faria para continuar apenas na companhia agradável dele.
Sentei por 2 minutos e ouvi:
- Ô! Olha aqui! – era o rapaz de dentro do bar, erguendo triunfante um violão, como se fosse um troféu.
Eu, em minha involução, disse aos amigos que tocaria apenas músicas em inglês e de rock, esperando que eles não curtissem e me liberassem rapidamente. Se tocasse um “Raul Seixas” ou um “Legião Urbana” estaria perdido: só sairia de lá depois das 5 da manhã!
No meio da grande roda que ali havia peguei o instrumento, me sentei e os adverti das poucas músicas e do único estilo que conhecia. Para minha surpresa todos sorrindo, completamente simpáticos, disseram para eu mandar bala, queriam apenas me ver tocar.
Comecei com “Plush”, música dos Stone Temple Pilots e dei risada quando todos acompanhavam com palmas e um no meio cantarolava letras enroladas, mas que mostrava que conhecia a música. Terminei – surpreso! – diante de palmas. Comecei a mudar minha opinião e continuei com “Black” do Pearl Jam, incrivelmente mais um sucesso de audiência. O pessoal era tão gente boa que fiquei com vergonha do conceito que tinha feito antes.
Um homem que estava por ali e tocava com eles antes de eu chegar me pediu para deixá-lo tocar uma música, o que prontamente atendi. Disse que tocaria uma que ele mesmo havia composto e começou. Foi uma música tão bonita que chegou a emocionar, mesmo, sem exagero. Música com originalidade e qualidade, que não só não perde nada para músicos de sucesso que estão por aí como é melhor do que a grande maioria de coisas que o rádio nos empurra ouvido a dentro.
Tocou mais umas 3 músicas próprias e ficamos – eu e alguns amigos da turma que ajudavam a encher a roda naquele momento – impressionados com o som. Newton, deve ter em torno de 40 anos, mais um talento por esse Brasil a fora.
Tudo estava tão agradável que quando me passou o violão toquei Raul e Legião, que tanto me pediam, desmascarando a mentira deslavada que contei no começo. A noite iria longe, ainda mais quando nos apresentaram Doca, um sanfoneiro gente boníssima que trouxe, além da sua amada sanfona, um triângulo e uma zabumba e o forró começou muito animado.
E a noite realmente foi longe; dormimos pouco e acordamos cedo para o trabalho na escola. Mas um daqueles dias em que não acordamos nem um pouco cansados, pensando: “Que noite!”

quinta-feira, 4 de junho de 2009

A ponte

Segue o vídeo dessa última viagem de maio da travessia de uma ponte inundada, rumo à escola em Poço das Trincheiras - AL. Antes que alguém ache um absurdo os garotos sobre o quadriciclo na carretinha que rebocávamos, não precisam se preocupar. O rio não era tão profundo e caso a água levasse o equipamento eles só levariam um banho...

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Políticos...

Numa das cidades em que trabalhamos tive uma dura lição. Às vezes, devido a tantas coisas que vemos por aí, ou em notícias, nos achamos "macacos velhos", descolados. Cansei de ver prefeitos luxuosos, saindo de suas "Hi-Luxes" ao lado de bairros se desmanchando de tão carentes.
Numa cerimônia de abertura dos trabalhos o prefeito discursou. Num tom pausado e sincero o bondoso velhinho (que para ajudar ainda me lembrava Papai Noel) discorreu sobre a alegria da cidade receber pessoas que vinham de longe pensando em realmente ajudar as pessoas. Prosseguiu comentando sobre dificuldades que a cidade passava e como estaria disposto a nos ajudar para melhorar a vida dos sofridos cidadãos.
Por um momento pensei: "Poxa, esse prefeito parece que realmente tem boas intenções". Me pareceu diferente de quase todos que já havia visto e imaginei que falar com ele sobre o plano de saúde bucal que estávamos implantando nas escolas seria muito interessante. Um prefeito facilmente o espalharia por todas as escolas municipais e poderia diminuir o número de crianças com dor de dente, filas nos postos de saúde, gastos com materiais odontológicos ali, enfim, comecei a imaginar um futuro sorrindo em dentes brilhantes de garotos felizes na cidade utópica em que estávamos.
Discurso acabado, sob as palmas de um grande público, o prefeito se aproximou e nos cumprimentou, um por um, perguntando nosso nome, com um franco e bondoso sorriso no rosto, o que só me confirmou minhas impressões.
Após o último cumprimento, enquanto todos se levantavam e seguiam aos seus postos para iniciar o primeiro dia de trabalho na cidade, me coloquei ao seu lado e, pacientemente, o esperei acabar de conversar com o diretor da escola.
- Senhor prefeito, poderia falar um pouco com o senhor? - perguntei feliz já esperando um bom papo.
Comentei sobre o sucesso do trabalho em outras cidades, que escolas haviam diminuído muito o número de crianças que faltavam às aulas por motivo de dor de dente, isso em apenas um ano de implantação de uma escovação diária, do quanto isso diminuiria gastos e filas nos postos de saúde...
Enquanto eu falava percebi que seus olhos iam ficando distantes, como se estivessem procurando alguém em volta, não dando muita importância ao que eu dizia. Não leio pensamentos, mas quase podia ouvi-lo pensando: "Como me livro desse chato...". Uma sensação horrível começou a me invadir. Me sentia um idiota, falando praticamente sozinho, até que ele mesmo aliviou minha agonia ao me interromper:
- Escuta, você conhece o doutor Francisco?
Disse que não (como se fosse possível conhecer um dentista numa cidade do sertão em que nunca havia estado antes).
- Você pode conversar com ele sobre isso.
Me pediu licença e saiu, jogando acenos simpáticos aos que acenavam para ele.
Me sentindo um garotinho enganado na peça mais antiga do mundo fui para a minha sala atender, jurando nunca, mas nunca mais, ser enganado por um político novamente!

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Nova empreitada

É isso aí amigos!
O Instituto Brasil Solidário fechou uma sólida parceria com as Casas Bahia, empresa que nos ajuda a muitos anos. Agora o IBS realiza os trabalhos no sertão junto aos Amigos do Planeta, braço social da empresa.
Serão dois anos de trabalhos nos moldes que já vem sendo realizados por cidades do nordeste brasileiro e a primeira etapa se inicia agora, dia 02/05/2009.
Serão 7 cidades nesta etapa, partindo do norte de Minas e terminando na Paraíba. Fazem parte do programa escolas das cidades de Jaíba (MG), Iraquara (BA), Bendegó (BA), Poço Redondo (SE), Poço das Trincheiras (AL), Manari (PE) e Cabaceiras (PB).
Serão 22 dias e traremos mais notícias assim que voltarmos.
Quem quiser pode acompanhar notícias colocadas on-line pelos alunos e professores das aulas de inclusão digital pelo blog: http://www.brasilsolidario.org.br/blogamigosdoplaneta
Grande abraço e até a volta!
Wolber Campos

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Terras

Nos últimos dias voltaram aos noticiários cenas sobre o MST (Movimento dos Sem Terra) onde os integrantes, portando muitas armas de fogo, tentavam invadir uma propriedade, o que gerou uma troca de tiros com seguranças digna de um filme de guerra.
Quando assisti a essas lamentáveis imagens me perguntei o que aconteceu com aquela velha máxima que ouvia quando era criança: "divisão agrária dos latifúndios improdutivos para trabalhadores rurais que os tornariam produtivos, melhorando a condição de sua família e do país"?
Uma invasão que necessite armas, trocas de tiros com seguranças e caseiros aflitos soa mais como um assalto do que qualquer outra coisa!
É uma pena que algo comece com um bonito ideal e, de repente, ao crescer começa a tomar atitudes equivocadas e muitas vezes agrupar pessoas com interesses excusos.
Já realizamos um trabalho social em um assentamento Sem Terra, em Goiânia, em 2006. Ali tivemos um maior contato com os moradores e com parte da realidade das pessoas. Algumas histórias nos deixavam surpresos. Há pessoas que alugam suas casas na cidade e se unem ao movimento, visando ganhar mais um terreno e aumentar o patrimônio. Outros, após conseguir a terra assentada a vendem ou arrendam.
Não devemos generalizar, há pessoas honestas e trabalhadores que realmente necessitam de uma terra e querem trabalhá-la da melhor forma, mas não há como negar que a cada dia mais se juntam pessoas desonestas que levam o movimento cada vez mais para o buraco. Pessoas que visam levar vantagem, se beneficiar do dinheiro público. Coisas que inflam seus discursos quando criticam os políticos que tanto envergonham o nosso país.

domingo, 19 de abril de 2009

A crônica da minha vida (até agora...)

Todos nós temos aquela história, aquele texto, que lemos e nos toca no mesmo instante. Que não resistimos em relê-lo logo em seguida. Que consegue até nos emocionar profundamente.
Este fim de semana eu li a minha. Uma crônica do Rubem Braga que tive a certeza, quando acabei de ler, que foi a história mais bonita e bem escrita que conheci em toda minha vida. Tem o toque de beleza, de engraçada, de emocionante que todo autor gostaria de colocar em suas linhas. Pra mim é perfeita. E gostaria de dividir com vocês.

Meu Ideal Seria Escrever... (por Rubem Braga)

Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse -- "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria -- "mas essa história é mesmo muito engraçada!".

Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.

Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse -- e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aqueles pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse -- "por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!" . E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.

E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago -- mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina".

E quando todos me perguntassem -- "mas de onde é que você tirou essa história?" -- eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi um sujeito contar uma história...".

E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

O sexo dos anjos

O ser humano, por natureza, gosta de uma discussão. Claro, de preferência pacífica (se bem que há muitas pessoas que parecem sentir prazer em um bate boca). Desde os primórdios da história, seja numa conversa entre dois amigos ou em discussões acaloradas por grandes grupos, um dos principais passatempos do homem foi o diálogo. Ainda bem, pois assim evoluímos ao patamar onde estamos, socialmente e intelectualmente.
Porém quantas não são as vezes em que nos pegamos em discussões sem fim e, o pior, sem sentido? Como insanos nos esquecemos de olhar o ponto principal e inebriados pelo calor de uma conversa passamos a enxergá-la como uma queda de braços ao invés de vê-la como um diálogo pacífico para se chegar a um ponto comum.
Futebol, política, ciúmes. Fatos que muitas vezes tocam nosso cérebro em seu ponto mais obscuro e carnal, despertando paixões adormecidas que muitas vezes gostaríamos de esquecer. Paixões que muitas vezes despertam como aquele calafrio que sobe pela espinha até o couro cabeludo. Acontece que, muitas vezes, este mesmo calafrio lacra nossos ouvidos e faz a pessoa focar um único objetivo: pensar na resposta fulminante, inapelável e destrutiva, que colocará abaixo seu adversário.
Geralmente essas discussões são nulas pois cada um dos ouvintes (se é que podemos chamá-los assim...) não está prestando atenção ao discurso do outro, pensa apenas no que responderá para rebater suas afirmações. E assim o antigo propósito do diálogo perde sua função. Não há mais o interesse em aumentar suas experiências e intelecto, apenas o de fazer vencer o seu ponto de vista. Deixam de existir os companheiros de conversa e passam a se enfrentar os adversários do assunto.
Mas quando olhamos de outro ponto, bem de cima, de onde a humanidade pode ser vista como um todo, onde o planeta se pareça bem pequenino e a humanidade menor ainda, vemos quanto tempo é perdido com discussões tolas, passionais, teimosias. A vida é tão mais do que isso. Olhando lá de cima ela é tão maior, o propósito do ser humano é tão mais importante que até conflitos que nos parecem mais complexos e importante como a briga entre judeus e palestinos ou o terror entre árabes e americanos se tornam sem sentido algum.
Se o objetivo da vida é algo como construir um prédio, muitas vezes pessoas perdem tempo discutindo se as maçanetas das portas serão prateadas ou brancas. E assim o primeiro tijolo nunca é colocado.